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Full text of "Cartas de Camillo Castello Branco a Thomaz Ribeiro. Com um pref. de Gonta Colaço"

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Gastei  lo  Branco 
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=^=  Com  um  prefacio  de 

BRANCA  DE  GONTA  COLAÇO 


PORTVGALIA 

KniTORA 

75,  Rua  Ôo  Carmo.  75 

LISBOA 

1922 


\ 


Cartas  de  Camillo  Castello  Branco 
a  Thomaz  Ribeiro 


Comp.  e  iiijp.  na  Imprensa  de  Manuel  Lvicas  Torres 

Flua  de  Diário  Noticiat,  5fi  e  61     -  Lisboa 


Cartas  de  Gamillo 
Gastello  Branco 
a  Thomaz  Ribeiro 


-zznz^  Com  um  pretacio  de  =iz= 
BRANCA  DE  GONTA  COLAÇO 


PORWGALIA 

EDITORA 

73,  Rua  do  Carmo,  75 

LISBOA 

1912 


PQ 
9ZGI 


CARTA  A  MINHA  IRMÃ 


Digitized  by  the  Internet  Archive 

in  2010  with  funding  from 

University  of  Toronto 


http://www.archive.org/details/cartasdecamilloOOcast 


Minha  adorada  Irene: 


Permitte  que  te  dirija  a  ti  as  Duas  Palavras  com  que 
desejo  anteceder  estas  Cartas,  que  em  annos  successivos  de 
amizade  mutua.  Camillo  Castello  Branco  escreveu  ao  nosso 
querido  Pae. 

Sem  o  doce  amparo  moral  da  tua  companhia,  sentir-mc- 
hia  perdida  no  maré  magnum  da  publicidade,  com  ares  de 
querer  pontificar  a  respeito  d'um  escriptor  que  fica  tanto 
acima  da  craveira  que  me  é  permittido  attingir,  e  seme- 
lhante perspectiva  não  me  tenta. 

Acerca  de  Camillo  não  escreve  quem  quer,  escreve  quem 
pode,  e  eu  não  pertenço  a  esse  numero. 

No  processo  da  sua  glorificação  ante  a  posteridade,  o 
meu  depoimento  nunca  poderia  ser  senão  como  aquelles  de 
que  nos  tribunaes  os  advogados  de  accusação  prescindem, 
e  os  de  defêza  também. 

£'  mais  simples  não  ir  ao  tribunal. 

Conversar  comtigo,  isso  sim ;  sorri-me  immcnso. 

O  teu  interesse  valorisa  muito  os  meus  emprehendimen- 
tos,  c,  ao  fallar-te,  cu  nunca  sinto  aquella  sensação  que  tu 
com  tanta  graça  denominas  de  ficar  reprovada  n'um  exame. 

Dada  a  differença  que  existe  entre  as  nossas  edades,  é 
impossível  que  tu  te  lembres  de  ter  assistido  a  tudo  quanto 
eu  desejo  recordar  aqui. 

«Conversemos»  portanto. 


Se  algum  leitor  menos  atarefado  tiver  curiosidade  de  ou- 
vir a  nossa  palestra,  sejabemvindo  a  ouvil-a ;  porem,  sede 
escutál-a  se  enfadar,  não  poderá  arguir-me  de  lhe  ter  an- 
nunciado  algum  estudo  de  monta,  para  afinal  lhe  fornecer  o 
pouco  substancioso  manjar  d'esta  desataviada  prosa. 


Antes  de  se  chamar,  para  a  nossa  admiração,  —  Camillo 
Castello  Branco^  o  illustre  auctor  do  Eusébio  Macário  cha- 
mou-se  para  o  nosso  terror  apenas  O  Camillo ^  que  era  como 
a  elle  se  referia,  na  ausência,  o  nosso  Pae ;  e  como  tal,  as- 
seguro-t'o,  a  sua  notoriedade,  a  nossos  olhos,  nada  ficou  de- 
vendo á  merecida  fama  litteraria  que  disfructa. 

O  Camillo,  telegraphava ;  escrevia,  partia,  chegava,  trove- 
java, barafustava  eternamente,  e  eternamente  ameaçava  céus 
e  terra  de  dar  um  tiro  na  cabeça,  com  um  maldito  revolver 
que  para  tão  sinistro  desígnio  trazia  sempre  na  algibeira. 

A  ameaça  d'esse  tiro,  tinha  o  condão  de  congelar  de  pa- 
vor o  sangue  das  nossas  veias  ;  e  o  caso  repetia-se  duas, 
três,  quatro  vezes  na  mêsrna  semana,  em  certas  occasiões, 
quando  a  sorte  nos  não  favorecia. 

D'ahi.  .  .    os   sentimentos   que  outras  creauças  nutrem 


peio  Papão,  e  pelas  bruxas,  alimentámol-os  nós  pelo  no- 
tável escriptor,  que  hoje  tanto  admirámos,  entre  os  astros 
da  nossa  litteratura. 

Tu  terias  três  annos,  quando  muito ;  eu,  sete .  .  .  pouco 
mais.  .  .  Não  podiamos  comprehender  a  devoção,  o  culto 
com  que  os  nossos  Paes  viviam  a  adivinhar  todas  as  von- 
tades e  a  satisfazer  todos  os  caprichos  d'aquelle  homem, 
que  não  sabia  ameigar-nos,  e  que,  para  o  nosso  minúsculo 
entendimento,  era  apenas  o  homem  mais  rabujento  e  mais 
feio  de  quantos  conhecíamos. 

Também  não  podiamos  avaliar  como  elle  era  desgraçado. 
Desgraçado,  á  maneira  romântica,  que  não  pôde  aferir-se  pela 
bitola  normal,  mas  desgraçado  em  summa. 

Devemos  reconhecer  que  a  nossa  infância  talvez  tivesse 
sido  um  pouco  monótona,  á  força  de  amenidade,  se  O  Ca- 
millo  lhe  não  houvesse  introduzido  as  variantes  de  sobre- 
salto  e  permanente  mobilisação,  em  que  a  sua  maneira  de 
ser  era  tão  fértil. 


Ao  nosso  plácido  retiro  de  Carnaxide,  chegava  de  vez 
em  quando  um  telegramma  fulminante. 


o  Camillo  resolvera  pôr-se  a  caminho  ! 

Queria  que  ihe  arranjassem,  sem  demora,  uma  casa  mo- 
bilada, sem  vizinhos,  em  determinado  bairro ;  ou  então, 
quartos  n'uma  Pensão ;  —  logares  n'um  Hotel,  —  accomo- 
dações,  n'uma  palavra  ;  mas  tudo  logo,  immediatamente ;  e 
que  lhe  prevenissem  médicos .  .  . 

—  Adeus,  felizes  galopadas  em  fogosas  cannas,  que  tão 
céleres  nos  transportavam  pelas  carreiras  da  quinta  !  Jogo 
dos  americanos,  e  lautos  «jantarinhos,»  com  todo  o  «arroz 
dos  telhados»  que  as  nossas  gulosas  bonecas  pudessem  ap- 
petecer ! .  .  , 

Era  preciso  largar  tudo,  e  partir  :  vir  passar  semanas  in- 
termináveis em  acanhados  andares  de  Lisboa,  (recórdas-te 
da  Redação  d'  O  Imparcial,  na  Rua  Serpa  Pinto  ?)  e  ir  to- 
das as  tardes  para  casa  d'aquellas  pessoas  tãc  graves  e  tão 
temidas,  onde  não  se  podia  fazer  o  minimo  barulho ... 

—  E  ainda  nós  considerávamos  isso  uma  fortuna,  se  o 
fatal  revolver  não  surgia,  e  não  havia  o  trágico  ensaio  de 
suicídio,  que  tanto  nos  apavorava, 

Quando  os  ânimos  estavam  serenos,  e  a  perigosa  arma 
se  mantinha  occulta,  ao  menos,  e  á  falta  de  melhor,  havia 
para  nós  a  possibilidade  de  adormecer  em  qualquer  canto, 
depois  do  jantar,  perdendo,  na  inconsciência  da  meninice, 
a  prerogativa  de  ouvir  conversar  Camillo  Castello  Branco  e 


Souza  Martins,  António  Cândido  e  Thomaz  Ribeiro,  e  todas 
as  pessoas  illustres  que  rodeavam  o  escriptor,  quando  elle 
vinha  a  Lisboa, 

Mas  quando  havia  a  scêtia,  Deus  do  Ceu  ! .  ,  . 

—  Que  medo  o  nosso  ! 

—  Uma  das  vezes,  foi  no  Hotel  Dar  and: 

Quando  nós  entrámos,  O  CarnUlo,  muito  excitado,  estava 
a  ralhar  não  sei  com  quem,  que  em  vão  tentava  acalmál-o. 

Havia  no  quarto  varias  pessoas,  mais  ou  menos  conster- 
nadas e  afflictas. 

D,  Anna  Plácido  chegou  depois  de  nós,  no  peor  mo- 
mento. 

Vinha  da  rua,  muito  queixosa  e  muito  susceptibilisáda, 
porque  uma  senhora  a  quem  fora  vizitar,  creio  que  sua  pa- 
renta, a  pretexto  de  estar  n'aquella  occasião  tomando  ba- 
nho, não  a  tinha  querido  receber  ! 

A  excitação  de  Camillo,  ouvindo  isto,  attingiu  o  paroxis- 
mo :  — sacou  da  trágica  pistola,  e  ia  apontál-a  ao  ouvido,., 
quando  todos  os  circunstantes  em  grita  se  precipitaram  so- 
bre êlle,  e  lh'a  arrancaram  da  mão. 

Armou-  se  uma  balbúrdia  indescriptivcl ! 

Tu  e  eu,  com  o  coração  aos  saltos  e  os  cabellos  em  pé, 
procurámos  refugio  atraz  de  duas  avantajadas  mallas,  no  cor- 
redor ;  e  alli  nos  deixámos  ficar,  até  que  a  promessa  cathe- 


gorica  de  nos  levarem  directamente  para  casa,  restituiu  ás 
nossas  pernas  o  perdido  movimento. 

—  Outra  vez  foi  em  Bemfica,  na  casa  de  Barjona  de  Frei- 
tas, onde  o  grande  escriptor  esteve  installádo  durante  algum 
tempo. 

Sentindo-se  peor  da  vista  e  com  os  nervos  mais  irrita- 
dos, palpitou-lhe  que  D.  Anna  Plácido  tinha  tirado  as  car- 
gas do  revolver  para  elle  se  não  matar  n'aquelle  dia,  e  re- 
solveu «experimentar !» 

Todos  os  protestos  foram  inúteis,  e  não  houve  rogos  que 
lograssem  demovêl-o  do  seu  negregado  intuito. 

Apontou  á  parede,  e  deu  ao  gatilho. 

A  arma  não  disparou ! 

Descrever  o  temporal  de  imprecações  e  gritos  que  o 
facto  desencadeou,  é-me  impossível. 

De  resto  eu  só  tive  d'elle  muito  imperfeito  conhecimento  : 
—  inda  bera  a  temivel  pistola  não  tinha  surgido  do  montão 
de  couvre-pieds  e  sobrepostos  casacos  com  que  o  friorento 
escriptor  se  envolvia  sempre,  e  já  o  muro  da  estrada  de  Bem- 
fica, a  considerável  distancia,  amparava  no  seu  escalavrado 
reboco  os  nossos  ânimos  desfallecidos .  .  . 

Quando  passado  algum  tempo  a  nossa  mãe  nos  demoveu 
a  arriscar  a  vida  voltando  para  a  salla,  encontrámos  tudo 
calmo  e  *como  se  nada  se  tivesse  passado ;»  e  O  Camillo, 


com  a  sua  palia  de  seda  preta  sobre  os  olhos,  os  capotes  em 
ordem  sobre  os  horabros  e  as  mantas  acamadas  sobre  os 
joelhos,  conversava  despreocupadamente,  fazendo  rir  com  os 
seus  ditos  o  grupo  de  admiradores  que  o  cercava. 

Em  Carnaxide,  mais  tarde,  houve  outro  «ensaio». 

Não  tinham  fim  as  nossas  provações  ! .  .  . 


Uma  qualidade  do  celebre  romancista  que  aos  nossos  ten- 
ros annos  também  não  agradava,  talvez  pelo  contraste  que 
fazia  com  a  maneira  de  ser  do  nosso  Pae,  era  a  sua  impla- 
cável mordacidade,  ~  o  seu  perenne  sarcasmo. 

Aquella  scintillante  ironia  que  tantas  fulgurações  engasta 
nos  relevos  da  sua  prosa,  affiguráva-se-nos  desconsoladôra 
e  corrosiva,  quando  applicáda  a  certos  casos  da  vida  real. 

No  dia  dos  seus  anncs,  em  Março  de  89,  a  academia  de 
Lisboa  organisou  uma  manifestação  de  homenagem,  que  teve 
repercussão  em  todo  o  paiz. 

Os  estudantes  foram  em  cortejo  levar-lhe  uma  grande 
coroa  de  louros,  com  bagas  douradas  e  enorme  laço  de  seda, 
coroa  que  lhe  entregaram  entre  ovações  e  vivas,  muitos 
discursos  e  muito  enthusiasmo. 


A  nós,  festa  e  coroa,  deslumbráram-nos  ! 

Calcula  pois  qual  não  seria  a  nossa  decepção,  na  noite 
d'esse  dia,  quando  lhe  ouvimos  dizer  para  D.  Anna  Plácido, 
em  ar  de  mofa,  e  no  manifesto  empenho  de  ser  ouvido  por 
todos  os  chamados  Íntimos  que  se  achavam  presentes  : 

«Mande  levar  isso  lá  para  a  despensa,  —  credo* ,  (e 
apontava  a  coroa) ;  —  «isto  é  que  se  chama  dar  a  um  sujeito 
tempero  por  atacado  ! .  .  .  » 

Todos  se  riram  muito.  Tu  e  eu,  sentimos  uma  vaga  des- 
consolação .  .  , 

As  creanças  não  gostam  da  ironia. 

Deus  sabe  porem  se  hoje  em  dia  uma  das  qualidades  pe- 
las quaes  mais  admirámos  o  auclor  das  Folhas  cahidas  e 
apanhadas  na  Lama,  não  é  justamente  aquella  que  no 
tempo  de  que  te  fállo,  nos  desagradava  ! 


Um  pormenor  que  me  parece  ignorado  pelos  biographos 
de  Camillo,  é  a  estada  d'elle  em  Carnaxide,  entre  Dezem- 
bro de   1887  e  Janeiro  ou  Fevereiro  de  1888,  salvo  erro. 

Elle  era  realmente  amigo  do  nosso  Pae. 

Aquelle  feixe  de  nervos  doentes,  ao  qual  o  génio  arrancava 


tantas  scintillações  incomparáveis,  —  natureza  extravagante 
e  desiquilibrada  que  em  tantas  occasiões  a  doença  impul- 
sionou desordenadamente,  gostava  de  appoiar-se  no  braço 
forte  e  amigo  do  auctor  do  Dom  Jayme,  e  comprazia-se  no 
trato  sempre  ameno  e  amável,  que  era  um  dos  seus  melhores 
apanágios. 

D'ahi,  a  procura  constante  da  sua  companhia  e  do  seu 
auxilio,  de  que  estas  cartas  dão  prova ;  —  dahi  o  plano 
d'uma  estada  na  Feitoria,  a  que  as  cartas  se  referem,  e  a 
realisação  d'uma  estada  era  Carnaxide,  facto  de  que  eu  me 
recordo  vagamente,  e  de  que  tu  não  podes,  creio,  lembrar-te. 

Um  nosso  illustre  amigo,  que  não  me  auctorisou  a  no- 
meal-o,  disse-me  uma  vez,  em  conversa,  que  a  alturas  tantas 
da  sua  affectuosa  convivência  com  o  auctor  do  Amor  de 
Perdição,  se  vira  obrigado  a  desistir  d'essa  convivência,  por 
não  poderem  mais  os  seus  nervos  hypersensiveis,  a<^uentar  o 
perenne  fluxo  e  refluxo  de  exigências  contradictorias,  com 
que  Camillo  punha  a  tratos  a  paciência  de  quem  com  elle 
convivia, 

A  muitas  pessoas  de  bôa  vontade  aconteceu  o  mesmo, 

Thomaz  Ribeúo,  mantêve-se  até  á  ultima,  e  a  sua  cons- 
tância nunca  fraquejou. 

Não  sei  como  nem  quando  se  conheceram. 

As  minhas  reminiscências  camillianas  esfumam-se  entre 


as  névoas  do  alvorecer  da  vida,  e  já  morreram  todos  os  que 
poderiam  dizer-nos  como  o  facto  se  deu. 

Presumo  que  foi  em  S.  Miguel  de  Seide,  no  anno  de 
1866,  quando  Castilho  lá  foi  com  Vieira  de  Castro,  vizitar 
o  grande  romancista.  * 

Nunca  leste  â  referencia  que  Camillo  faz  a  essa  vizita, 
^  n'uma  divagação  do  conto  Aqaella  Casa  Triste,  que  veiu 
publicado  na  Revista  Artes  e  Lettras? 

«^Sou  um  homem  feliz  e  digno  de  inveja.  Tenho  sabo- 
reado os  innocentes  deleites  que  prodigalisam  ao  seu  audi- 
tório as  quatro  bandas  musicaes  de  Landim,  Pajião,  Rui- 
vães  e  Ouinfões.  Quando  algum  amigo  vae  alegrar  o  ermo 
de  São  Miguel  de  Seide,  chamo  logo  a  musica  mais  deli- 
cada, —  a  de  Ruivães,  principalmente  se  o  amigo  é  de  Lis- 
boa e  frequentador  de  São  Carlos. 

O  sr.  Visconde  de  Castilho  e  seu  filho  Eugénio  são  cha- 
mados a  depor  rieste  processo  de  immortalidade  que  vou 
instaurando  ao  Jigle  e  á  requinta,  principalmente  d  re- 
quinta de  Ruivães. 


*  Foi  com  effeito  em  Julho  ôe  1866.  Documentos  cuja  cópia  me 
foi  amavelmente  offereciõa^  permittiram-me  averiguál-o,  quanõo  o 
meu  arrazoáõo  já  estava  prompto  a  entrar  na  machina. 


Não  vi  o  sr.  Visconde  chorar  de  prazer,  mas  observei 
Sua  Ex.'^  estava  commovido  quando  a  requinta  assobiava 
uns  guinchos  estridentes  da  Maria  Caxuxa. 

Thoniaz  Ribeiro^  o  poeta  eminente,  recolhia-se  ás  vezes, 
não  ao  seu  quarto  a  calafetar  os  ouvidos,  mas  ao  intimo 
da  sua  alma  a  fazer  viveiro  de  inspirações. 

Eugénio  de  Castilho,  o  poeta  das  phantasías  louras, 
quer  a  musica  de  Ruivães  lhe  amolentasse  a  sensibilidade, 
quer  os  rouxinoes  das  rumarias  lhe  dessem  invejas  dos  seus 
amores,  fosse  o  que  fosse,  foi  assaltado  e  vencido  d' uma 
paixão,  .  . 


A  musica  de  Landim,  era  formosa  por  seis  cornetas  de 
chaves  que  executavam  valsas  e  peças  theatraes  de  modo 
que  se  Ducís  ouvisse,  diria  que  a  opera  lyricá  balbuciara 
os  seus  primórdios  entre  as  florestas  druidicas. 

A  banda  de  Fafião  competia  com  a  de  Guinfões  na  sus- 
tancia  das  trompas  e  tròáda  das  caixas. 

A  de  Ruivães  avantajava-se  ás  três  rivaes  na  delicadeza 
das  modas  e  sentimentalismo  com  que  as  charamellas  res- 
piravam o  sopro  d'aquelles  músicos,  cujas  bochechas  pare- 
ciam estar  cheias  de  alma  e  castanhas  assadas ...» 


Emfím ...  o  romancista  e  o  poeta  conhecêram-se ;  foram 
grandes  amigos,  e,  um  bello  dia,  Camillo  Castello  Branco, 
para  estar  próximo  do  nosso  Pae,  resolveu  passar  uns  tempos 
em  Carnaxide,  onde  parou  mez  e  meio,  e  de  onde  acabou  por 
fugir,  uma  manhã,  n'um  accesso  da  sua  terrivel  neurasthenia. 

Era  Carnaxide  habitou  a  casa  que  amavelmente  lhe  ce- 
deu António  Zacharias  Marceano  Alcântara,  honrado  indus- 
trial de  cortumes,  casa  que  ainda  hoje  existe,  transformada, 
no  terreiro  da  Egreja,  mesmo  no  coração  da  aldeia. 

Alli  se  tratou  durante  algum  tempo  com  o  Dr.  António 
Bossa,  que  então  iniciava  a  sua  carreira  médica,  dedicando- 
se  com  afinco  e  êxito  a  experiências  de  hypnotismo. 

Alli  o  viu  também  o  nosso  bom  e  querido  amigo  Dr.  José 
Joaquim  d' Almeida,  de  Oeiras,  o  fundador  do  primeiro  Sa- 
natório Marítimo  em  Portugal  para  creanças,  e  iniciador  do 
movimento  anti-tuberculoso  que  tão  desvelada,  e  útil,  e  inol- 
vidável protecção  encontrou  em  Sua  Magestade  a  Rainha 
Senhora  D,  Amélia. 

Foi  elle,  até  ao  fim  da  sua  vida  abençoada,  o  digno  Pre- 
sidente da  Commissão  Executiva  da  Assistência  Nacional 
aos  Tuberculosos,  e  creio  que  só  Deus  e  elle  souberam  as 
angustias  e  as  saudades  com  que  tudo  alli  recorda  os  áureos 
tempos  passados. 

Camillo  refére-se  algumas  vezes  nas  cartas,  ao  Dr.  Bossa 


e  ao  Dr.  Almeida,  que  o  vizitou  também  uma  vez  em  Seide. 
como  verás. 

Em  Carnaxide,  vizitáram  Camillo,  —  Oliveira  Martins,  Bar- 
jona,  Bulhão  Pato,  Anthero  de  Quental  e  António  Cândido, 
e  alli  foram  também,  se  a  memória  me  não  atraiçoa,  Souza 
Martins  e  Manuel  Bento  de  Souza,  Thomaz  de  Carvalho, 
May  Figueira,  e  o  Dr,  Ferrer  Farol. 

Supponho  que  Francisco  e  Fernando  Palha,  que  ao  tempo 
viviam  no  Dátundo,  lá  iriam  também ;  e,  uma  vez  por  outra, 
apparecia  o  original  Visconde  de  Moreira  de  Rey. 

Era  sempre  muito  selecta  a  sociedade,  na  salla  do  sr,  Al- 
cântara, e  muito  brilhante  a  conversa,  á  qual  D.  Anna  Plá- 
cido, alem  da  sua  lhana  e  carinhosa  hospitalidade,  bem  por- 
tuguêza,  dava  a  collaboração  do  seu  incontestável  talento,  e 
da  sua  illustração  pouco  vulgar. 

Nós  duas,  minha  adorada,  é  que  á  força  de  não  poder- 
mos apreciar  todas  aquellas  galas  intellectuaes,  continuáva- 
mos a  adormecer  pelos  cantos,  emquanto  as  creádas  não 
vinham  para  nos  levar. 

Nascemos  muito  tarde ! 

Fomos  creanças,  que  o  mesmo  é  dizer  inconscientes,  em- 
quanto na  sociedade  portuguêza  brilharam  muitas  figuras  de 
que  hoje,  —  salvo  raras  excepções,  —  procuraríamos  em 
vão  os  equivalentes. 


Uma  bella  manhã,  as  creadas,  açodadas,  vieram  entregar 
ao  nosso  Pae  este  bilhete  : 

Meu  Thoma\ : 

Estou  a  cegar.  Perdido  ! 

Vou  fugir  daqui,  para  me  não  matar  debaixo  dos  teus 
olhos^  e  do  teu  amor. 

Teu 
Camillo. 

Corremos  todos  anciosos  a  casa  de  António  Zacharias. 

Camillo  tinha  abalado,  ao  romper  do  sol,  com  D.  Anna 
Plácido,  n'uma  carruagem,  Carnaxide  nunca  mais  poude  or- 
gulhar-se  de  abrigar  no  seu  seio  um  hospede  tão  célebre .  . . 


Estas  cartas  foram  escriptas  entre  1873  e  1890,  como 
verás,  nos  iníervallos  das  frequentes  idas  e  vindas  do  es- 
criptor  ao  Porto  e  a  Lisboa,  em  dolorosa  deambulação  atraz 
da  luz,  que  lhe  fugia. 


Tendo  o  nosso  Pae  morrido  em  1901,  só  agora  me  foi 
possivel  arranjar  e  classificar  os  seus  papeis. 

Encontrei  entre  elles  estas  preciosas  cartas,  n'uma  epo- 
cha  em  que  o  nome  de  Camillo  tão  especialmente  fascina  os 
chamados  intellectuaes  e  os  não  intellectuaes  da  nossa  terra, 
e  não  me  julguei  no  direito  de  as  aferrolhar  egoistamente. 
Resolvi  publicál-as. 

Em  teu  nome  e  no  meu,  e  amavelmente  auctorísáda  pela 
familia  do  grande  escriptor,  offerêço-as  como  subsidio  aos 
investigadores  da  sua  vida,  e  como  acepipe  aos  apreciado- 
res do  seu  inconfundível  estylo. 

Elias  próprias  dirão  de  sua  justiça.  Creio  que  não  escla- 
recem nem  complicam  nenhum  problema,  o  que  constítue 
uma  grande  originalidade,  n'um  tempo  cm  que  os  esclareci- 
mentos complicam  todos  os  problemas,  e  as  complicações 
tornam  problemáticos  todos  os  esclarecimentos. 

São  muito  interessantes,  isso  sim. 

Da  penna  do  auctor  da  Lacta  de  Gigantes  sahiam  sem- 
pre chispas,  mesmo  quando  elle  despreoccupadamente  a  ma- 
nejava, a  conversar  com  amigos. 

Vão  publicadas  por  ordem  chronologica,  quando  teem  data. 

As  que  a  não  teem,  nem  possuem  qualquer  referencia  ou 
indicação  que  permitta  intercalál-as  entre  essas,  reuni-as  a 
seguir, 


A  personalidade  de  Camillo  cada  vez  occupa  mais  a  curio- 
sidade publica  e  a  imprensa  periódica. 

Se  todos  os  que  o  trazem  ao  tablado  lhe  prestam  sempre 
um  grande  serviço,  e  se  o  leitor  d'hoje  que  conheça  pouco 
a  obra  do  homem  de  lettras,  e  só  conheça  a  poeira  que  se 
tem  levantado  em  volta  do  seu  nome,  pode,  atravez  os  com- 
mentarios,  fazer  ideia  do  que  elle  era  como  cinzelador  da 
prosa  e  como  interprete  admirável  da  graça  portuguêza,  não 
me  compete  a  mim  averiguál-o.  —  Devo  suppor  que  sim, 
fazendo  justiça  a  todas  as  intenções. 

O  que  não  soffre  duvida,  é  que,  quando  elle  falia  por  si, 
a  sua  causa  prescinde  de  elementos  alheios  para  triumphar. 


Já  fica  muito  longe,  escondido  entre  as  brumas  da  sau- 
dade, o  tempo  em  que  O  Camillo  nos  apavorava. 

Com  o  passar  dos  annos  as  nossas  faculdades  foram-se 
esclarecendo,  a  imagem  do  revolver  dissipou-se,  e  Camillo 


Castello  Branco  foi  surgindo  e  crescendo  a  nossos  olhos,  até 
abranger  a  plenitude  da  nossa  admiração. 

Não  sei  se  somos  muito  amigas  da  sua  lembrança.  .  . 

Á  amizade  implica  uma  ternura  confiante,  que  o  seu  modo 
do  ser,  um  pouco  áspero,  nos  não  consentiria  talvez. 

Camillo  pintava  admiravelmente  a  paixão.  Não  sei  se  lo- 
grou sempre,  nas  meias  tintas,  fazer  sentir  o  enternecimento. 

Em  todo  o  caso  se  o  sentimento  do  nosso  coração  é  dií- 
ficil  de  definir  claramente,  não  ha  duvida  de  que  o  nosso 
espirito  se  deslumbra  ante  a  arte  magnifica  do  escriptor,  e 
se  ufana  de  o  proclamar. 

Como  mulheres,  devemos  ser-lhe  gratas.  —  Se,  para  o 
forte  claro- escuro  dos  seus  entrêchos,  lhe  foi  preciso  apoucar 
alguns  caracteres  femininos,  a  verdade  é  qae  elle  nunca 
deprimiu  a  mulher,  antes,  em  toda  a  sua  obra,  poetisando-a 
atravez  do  amor  e  do  sacrifício,  procurou  sempre  dignificál-a 
e  elevál-a. 


Quando  algum  acontecimento  me  surprehende  pela  sua 
inverosimilhança,   ou  alguma  individualidade  me   espanta 


pela  sua  insensatez,  é  para  Camillo  que  a  minha  invocação 
se  volta  irresistivelmente. 

E  tem  o  destino  determinado  que  com  extraordinária 
frequência  eu  renove  o  meu  preito  de  homenagem,  interro- 
gando a  sua  grande  Sombra  ; 

—  «Porque  deixa  passar  tantos  pygmeus,  sem  brandir  o 
látego  fulgurante  da  sua  critica  ? .  .  .  » 

—  «Porquê,  ante  tantos  assumptos  que  a  soUicitam,  per- 
manece inerte  a  sua  penna  incomparável  ? .  . . » 

«Porque  não  vem  commentar  isto,  Senhor  Camillo  Cas- 
tello  Branco  ?  ?  ? .  ,  .  » 

Perdoa  se  me  alonguei. 

Abraço-te  com  todo  o  affecto  com  que  sou  a 

Tua  irmã  muito  amiga 
Lisboa,  1921. 

Branca  de   Gonta  Colaço. 


CARTAS 


CARTAS 


MEU  THOMAZ. 

Peço-te  com  instancia  a  favor  do  homem  por  quem  te 
pede  o  outro  teu  am.°.  Esse  Caldas  é  filho  de  um  poeta  da 
escolta  de  Bocage.  Não  o  conheço,  mas  tenho  boas  informa- 
çoens  d'elle.  Se  poderes,  colloca-o;  se  não  poderes,  lamenta-o. 
e  abraça  o  teu 

am.°  grato 

P.  S.  —  Affectos  de  todos  os  meus. 

Camillo  C  Br.' 
Porto,  6  õe  Abril 
1873 

H 
MEU  CARO  THOMAZ  RIBEIRO. 

Tomara  eu  ca  os  outros  volumes  das  tuas  Jornadas. 
Anceio  o  que  hade  ser  todo  da  índia,  porque  os  realces  ori- 
ginaes  hão  de  avantajai -o  aos  que  fallarem  da  tão  viajada  e 
decrépita  Europa.  A  simplicid.''  do  teu  estylo  dá  méritos  a 
este  livro,  que  o  tornam  estimabilissimo.  Sem  questão,  tu  és 
poeta  de  primeira  ordem,  e  prosador  de  segunda.  Em  quanto 


28 


a  musa  te  apojar  borbotoens,  torrentes  de  inspiração,  não 
desças  á  prosa  ignóbil.  Cede-a  aos  aleijadinhos  do  metro. 
Flores,  flores,  meu  caro  Thomaz  Ribeiro,  Não  ha  quem  atire 
mais  jardins  do  que  tu  para  cima  destas  charnecas. 
Abraça- te  o  teu  velho  e  paralytico  am.° 

C  Castello  Branco. 

Porto  1  õe  Dzbr.»  Ôe  1873. 


III 

MEU  PRESADO  THOMAZ  RIBEIRO. 

Crês  tu  que  eu,  diante  da  tua  crytica  de  amigo  e  de  su- 
perior intelligencia,  não  resvalaria  ao  abysmo  dos  tolos,  pe- 
dindo uma  dessas  coisas  q  tem  sido  dadas  a  gente  que  vale 
tanto  como  eu?  Olha,  meu  filho,  eu  devo  contarte  tudo.  Qd.*' 
o  bispo  de  Vizeu  era  rei,  e  me  auctorisou  a  pedir-lhe  uma 
mercê,  pedi-lhe  q  me  fizesse  visconde  em  duas  vidas,  para 
que  o  meu  Jorge  fosse  a  desculpa  do  desvario  do  pai.  Vol- 
vidos dias,  disse-me  o  bispo:  «el-rei  não  lhe  dá  o  titulo  q  v. 
pretende,  por  q  você  não  é  casado,  e  diz  que  v.  vive  em  man- 
cebia». Não  redargui  a  isto,  porque  respeitei  as  vestes  prela- 
ticias  e  a  purpura  monarchica. 

Foi  ao  poder  o  nosso  Sampayo.  Pedi  ao  Castilho  que  so- 
licitasse do  Sampayo  a  mercê  modificada  só  em  mim,  na  hypo- 
these  q  mais  tarde  a  alcançaria  p.''  o  pequeno.  Sampayo  res- 
pondeu o  que  quer  q  fosse  ao  visconde  de  Castilho,  que 
significava  uma  negativa ;  porém,  eu  não  percebi  se  o  rei  fora 
consultado,  se  o  ministro  receava  consultal-o.  Franqueza  ras- 
gada, meu  caro  Thomaz :  fiquei  envergonhado  deante  de  mim 
mesmo :  a  peor  das  vergonhas. 

Nota,  meu  am.°,  que  de  Hespanha  recebi  duas  commen- 
das,  que  não  uso;  o  imperador  visitou- me  (perdoa  o  desva- 
necimt.°  que  é  obrigatório  nesta  confidencia)  e  enviou-me  a 


29 


commenda  da  Rosa,  q  também  não  uso.  Vexa-me  não  poder 
dizer  que  esta  terra,  onde  escrevo  ha  30  annos,  sem  a  en- 
vergonhar, nada  me  deu,  nem  das  mercês  que  se  compram, 
nem  dos  talheres  do  orçamt.°  que  se  pagam.  Não  achas  isto, 
de  uma  tristeza  quase  elegiaca  ? 

Queres  tu  dar  aos  meus  filhos  a  porvindoura  consolação 
de  poderem  dizer  que  seu  pai  quinhoou  das  mercês  que  se 
liberalisaram  aos  bacalhoeiros  ricos?  Sê  padrinho  meu  e 
d'elles.  Não  te  peço  que  falles,  que  peças  o  viscondado ;  pede 
menos  do  q  isso,  menos  ainda  que  o  emparelharem- me  com 
M.*'  Roussado  ou  Ricardo  Guim.^'.  Nem  seq.""  barão,  visto 
que  eu  os  cantei  no  jantar  q  tu  sabes  melhor  do  que  eu.  Olha, 
filho,  nivella-me  comtigo,  que  eu,  se  se  rirem  de  mim,  con- 
forto-me  ca  p.''  dentro  dizendo  á  m.^  democracia  que  também 
tu  és  conselheiro.  Arranja-me  isto,  que  p.*  tanto  ainda  chegam 
os  meus  recursos;  e,  se  as  qualid.^'  pessoaes  o  não  merece- 
rem, exaggera-as,  encarece-as  tu  com  o  teu  amor,  com  a  tua 
eloquência.  Porém,  se  nem  isso  bastar,  não  te  afflijas:  dá-me 
sempre  a  condecoração  da  tua  amisade  e  ama  o  teu 

Porto,  Bom  Jaròim  860, 
16  Õe  Dzb".  ôe  1873 

Camillo  Casfello  Brr 


MEU  TH. 

Sabes  se  o  nosso  Ministro  vae  ao  Paço  ?  —  E'  dia  de 
ElRei  dar  despacho. 

O  que  tenho  p.^  mandar  está  prompto.  Mas  o  Min.°  nada 
me  mandou  dizer. 

26/3/74 

Teu  do  C  B. 


30 

V 

TH. 

Ahi  tens  o  que  veiu  de  caza  do  Min.°. 

Attenta  que  parte  está  assignado  por  ElRei,  parte  não. 

Nada  referendado. 

Teu  do 

C  B. 

VI 

MEU  PRESADO  THOMAZ  RIBEIRO. 

O  barão  de  Paço  Vieira  escreve- me  d'ahi  contentíssimo 
com  a  transferencia.  Eu,  que  te  pedi  por  elle,  considero-me 
também  transferido  de  Silves,  e  te  abraço  com  o  reconheci- 
mento de  homem  q  detesta  o  figo  e  a  alfarroba. 

Se  tu  conseguisses,  meu  filho,  transferir  o  meu  reuma- 
thismo  para  as  articulaçoens  tibio-tarsicas  dos  pretendentes 
que  te  perseguem,  farias  duas  esmolas,  uma  a  ti,  e  outra  ao 
teu  decrépito  am." 

Camillo. 
Porto,  13  Õe  Dzbr"  õe  1874. 

VII 
MEU  QUERIDO  THOMAZ  RIBEIRO. 

Estive  em  Lx.^  48  péssimas  horas.  Não  pude  ir  ver  te.  A 
m."  infermid.<^  prostra-me,  innegrece-me  a  alma.  Nem  a  vista 
de  amigos  e  homens  como  tu  m'a  alumiam.  Fugi.  Deitei-me; 


31 


abri  o  teu  livro,  o  2."  das  Viagens,  e  pude  esquecer- me  de 
mim.  Eu  t'o  agradeço  p/  q  é  bellissimo,  está  cheio  de  novid/' 
e  leva  n'isso  grande  vantagem  ao  1.°  e  m.'  ainda  t'o  agra- 
deço por  que  me  absorveu  10  horas,  disputando-m'as  aos 
meus  Blue-deuils. 

Teu  do  c. 

Camillo 
VIII 

MEU  PRESADISSIMO  AMIGO. 

Estive  ahi  4  dias;  reservava -me  para  te  procurar;  m.as 
metteram-se  dois  dias  san:tif içados:  seria  inútil  procurar- te 
na  secretaria.  Sei  q  tens  casa  extra- official ;  mas  não  a  conheço. 
Depois  de  te  abraçar,  perguntar-te-hia  se  aquella  minha  pro- 
posta á  cerca  de  um  livro  respeitante  ao  prior  do  Crato,  e 
então  aceite  pelo  governo  (por  600$000  reis)  mediante  a  tua 
recommendação,  estará  ainda  na  memoria  dos  referidos  po- 
deres públicos.  No  caso  affirmativo,  continual-a-hei,  para  a 
ultimar  em  março ;  se,  todavia,  o  género  litterario  baixar  na 
proporção  do  industrial,  levantarei  mão  d'isto,  e  carregai  a-hei 
nas  costumadas  futilidades.  Quando  te  sobrar  tempo,  responde 
ao  teu 

^  .   ,  Velho  amigo 

Coimbra 

26  ôe  Jan.°  1876 

C.  Casíello  Branco 

MEU  PRESADO  THOMAZ  RIBEIRO. 

Obrigado.  Vou  continuar  com  zelo  e  vontade  o  D.  António, 
Talvez  esteja  prompto  no  fim  d'abri!,  porq  tenho  de  escrever 
umas  intermissoens  românticas  das  quaes  depende  o  fogo  sa- 


32 


grado...  da  cosinha.  Não  me  deplores.  Lembra-te  que  sou 
portuguez 

D'antes  scismar  que  comer. 

Corrija-se  o  Sa  de  Miranda. 

Abraço-te.  Mandas-me  o  2.°  das  Viagens  ou  queres  que 
eu  o  compre  ? 

Teu  do  c. 

Camillo  CBr." 
Porto,  21  Õe  ].o  òe  1875. 

P.  S.  —  Lembra-me  agora  dizer-te  que  não  será  talvez 
publicado  o  D.  Antf  por  que  desconfio  que  me  evolo  ás  re- 
gioens  altas  como  os  eíluvios  dos  pântanos.  Estou  doentís- 
simo. Ha  dez  noutes  que  não  durmo,  e  ha  vinte  dias  que  me 
alimento  com  café.  Tenho  48  annos,  100  volumes  escriptos, 
mt.*^  cans  na  alma,  mt."  trago  de  injustiça  devorado  em  si- 
lencio, e. . .  adeus! 

X 

MEU  CARO  THOMAZ  RIB. 

Caminho  de  Lx.*  adoeci  e  retrogradei.  Ia  eu  repetir-te  o 
pedido  de  D.  Anna  Plácido  a  favor  do  p.^  M.^'  Corr.^  de 
Sampaio  p."  a  igreja  de  S.*"  Maria  de  Arnoso. 

Consegui  que  o  Miguel  Máximo  o  protegesse  como  ve- 
rás da  carta  inclusa.  Agora  te  rogamos  que  falles  de  novo 
ao  Director  geral,  e  não  desampares  este  negocio.  Não  posso 
mais,  meu  querido  am.° 

Teu  do  c. 
Porto 

27  ôe  Maio 

76 

Camillo  C  B.' 


33 


XI 

Seiôe  22 
]ulho 
1876 

MEU  PRESADO  THOMAZ  RIB.» 

Lembra-te  do  p."  M.^'  Corr."  de  Sampayo,  concorrente  á 
egreja  de  SC  M.'  de  Arnoso,  no  arceb.  de  Draga. 

Ha  2  meses  te  enviei  o  beneplácito  de  Miguel  Máximo,  o 
loquaz. 

Se  me  enganou,  Deus  lhe  perdoe,  mas  eu  não  sei  se  dei- 
xarei de  levantar- lhe  um  dos  alçapões  q  conduzem  ás  immor- 
íaHd.^'  baixas. 

]á  que  não  posso  fiar- me  n'elle,  volto  para  ti  toda  a  m.^ 
confiança.  Anna  Plácido  não  te  escreve  por  q  eu  lhe  digo  que 
não  te  rale.  A  mim  mandas-me  bugiar;  e  a  ella  sempre  tens 
de  lhe  escrever  a  dizer-lhe  q  a  não  mandas  bugiar.  Ama-íe 
o  velho  am." 

Cã  mi  lio. 

XII 

MEU  QUERIDO  THOMAZ 

Foi  um  typho:  não  me  matou  de  chofre;  mas  dissolve-me. 
Considero-me  no  primeiro  periodo  de  uma  cachexia.  E  eu 
digo  como  o  apostolo:  «Cupio  dissolvi». 

Antes  de  morrer,  preciso  dizer-te  uma  coisa.  Eu  tinha 
um  cunhado  medico  q  morreu  ha  cinco  annos.  Antes  de  aca- 
bar, escreveu-me  pedindo-me  que  protegesse  meus  sobrinhos. 

São  uns  rapazes  intelligentes :  um  é  um  Azevedo  Cast.° 
Br.°,  1.°  official  do  governo  civil  de  V.*  Real ;  o  outro  é  estu- 
dante premiado  em  medicina  na  Universid.^.  Havia  uma  me- 


â4 


nina  q  em  vida  de  meu  pae  casou  com  um  rapaz  honesto, 
intelligente  e  pobre  chamado  Ant.°  José  Barbosa  Resende. 
Apresentou-se-me  este  homem  com  a  recommendação  do 
sogro  moribundo.  Eu  disse-lhe  que  se  habiHtasse  para  con- 
correr aos  togares  de  escrivão.  Assim  o  fez.  A  relação,  ou 
q."  q.'^  q  seja,  coliocou-o  entre  os  primeiros.  Isto  foi  ha  um 
anno.  Quiz  pedir-te  p.^  elle;  mas  tive  peio,  porq  te  tinha  im- 
portunado pelo  padre  Corr.^  Hoje  tenho  escrúpulo  de  mor- 
rer sem  fazer  alg.^  diligencia  p."*  melhorar  a  sorte  de  m.** 
sobrinha.  Recorro  a  ti.  O  Snr.  Conselheiro  Mexia  em  tempo 
fez- me  a  honra  da  sua  estima.  Se  S.  Ex.*  ainda  me  conhecer, 
devolvidos  tantos  annos,  ajunta  o  meu  nome  aos  teus  esfor- 
ços. Está  vago  um  logar  em  Famalicão.  Se  não  poder  ser  p.* 
aqui  seja  para  onde  possa  ser. 

Não  posso  mais 

Abraça-te  o  teu  velho  e  grato  am.° 

10  5e  M.Ç3 
1877 

Camillo  Cast°  Br 

XIII 

MEU  PRESADO  AMIGO. 

Tinha-me  pedido  o  Alves  Matheus  q  movesse  o  Fr.'"' Corr.* 
de  S.  Payo  a  trabalhar  a  favor  de  uma  camará  m.*'  de  Fam.^"' 
Ora  eu  não  sabia  se  a  camará  era  regeneradora,  se  q  diabo 
era.  Pedi  ao  S.  Payo,  e  como  o  encontrasse  já  empenhado 
no  sentido  q  dizias,  disse-lhe  que  fizesse  o  q  quizesse.  Ora 
o  q  elle  quer  é  ir  p.^  onde  tu  o  mandares,  e  vai. 

Ha  mez  e  meio  que  vivo  á  espera  da  morte.  Expirou-me 
nos  braços  M.*^  Plácido  f.°  de  D.  Anna.  Tinha  19  annos.  Era 
aquella  eleg.*^  creança  que  montava  um  cavalio  ao  lado  da 
sege  em  q  tu  vinhas  com  o  Castilho.  Eu  estou  cego  de  cho- 
rar; D.  Anna  encaneceu,  e  agora  m.""  a  estou  ouvindo  chorar. 


35 


Esta  casa  é  uma  tristeza  sem  nome  nem  esperança  de  alegria. 
Olho  insensivelmt.^  p.^  os  filhos,  e  não  faço  senão  chamar  o 
outro  que  nunca  mais  virá  beijar-me  a  face,  como  fez  10 
horas  antes  de  morrer  de  uma  meningite  que  o  arrebatou 
em  trez  dias  na  Povoa.  Sahiu  de  um  baile  onde  tinha  a  m." 
com  q.^  ia  casar.  Teve  um  calafrio,  e  trez  dias  depois,  morto  I 
Eu  peço  a  Deus  que  me  tire  esta  paixão,  ou  me  leve  pela 
infinita  misericórdia  que  deve  a  tão  gr.'*^  desgraçado. 

Ads.  meu  querido  Thomaz  Rib.° 

Creio  que  não  nos  veremos  mais. 

Teu  do  c, 

C.  C  Br." 
XIV 

MEU  QUERIDO  T.  RIBEIRO. 

Obrigados  ambos  pela  tua  carta. 

]á  quiz  levar  d'aqui  Anna  Plácido  p.*  Lx.*  Chegou  ao 
Porto,  e  obrigou-me  a  retroceder.  Que  faríamos  ahi  n'um 
quarto  de  hotel,  sós,  em  face  um  do  outro,  a  fallar  do  nosso 
Manoel  ?  Aqui,  ao  menos,  ella  pode  chorar  alto,  e  gastar  a 
dor,  se  ella  se  gasta,  pela  sua  m.""*  violência.  Crença !  dizes 
tu.  Isso  q  é  ?  Nem  se  quer  creio  no  destino  que  traça  a  es- 
piral do  inferno  dos  grandes  desgraçados.  Posso  apenas  re- 
voltar-me  contra  o  Acaso;  mas  q  é  isso  também?  Abraça-te 
o  teu 

C  Cast.  Br: 


K\J 


MEU  PRESADO  THOMAZ  RIBEIRO, 

Ha  dois  annos,  pouco  mais  ou  menos,  me  disse  em  Lisboa 
Custodio  José  Vieira  que  lhe  haviam  dito  estares  tu  maguado 


36 


d*um  epigrama  que  eu  te  desfechara  quando  foste  chamado 
ao  ministério.  Resposta  m.''  «Ha  seis  mezes  que  estou  na 
aldeia.  Ainda  q  eu  quizesse  fazer  ou  fizesse  epigramas  contra 
Thomaz  Ribeiro  não  sei  que  auditório  m'os  ouvisse  ou  para 
qual  auditório  os  fizesse.  Esperarei  que  T.  R.  deixe  de  ser 
ministro,  e  depois  lhe  direi  que  não  tenho  trez  amigos  como 
elle,  e  que  esses  poucos  poupai- os-hei  a  injurias,  tendo  tantos 
inimigos  a  q."  as  aponte  sem  desaire  nem  escrupulos.>  Mais 
nada.  Depois,  como  teimaste  em  ser  ministro  eu  sobrestive 
no  meu  propósito  de  silencio;  mas  o  meu  profundo  affecto 
ao  teu  coração  e  ao  teu  talento  nada  tinha  que  ver  com  o 
capricho  um  pouco  romano  de  não  escrever  ao  ingrato  que 
ainda  me  não  nomeou  almirante  nem  sequer  guarda-marinha- 

Agora  cá  te  tenho  nos  braços  em  Seide,  e  todos  nós,  ve- 
lhos e  rapazes,  festejamos  a  carta  do  nosso  Thomaz  Rib.°  de 
1866. 

Quando  te  aborreceres  de  ser  ministro  vem  aqui  rusti- 
car  um  dia.  Achas  homens  o  Nuno  e  o  Jorge.  O  primeiro 
faia;  o  segundo  mystico.  Eu,  mt.°  velho;  D.  Anna,  mt.** 
mudada,  triste,  e  outra  desde  q  lhe  morreu  o  Manoel.  Mas, 
se  aqui  vieres,  alegra-se  provisoriamt.®  esta  caza. 

Apezar  de  mt.°  doente,  leio  sempre,  e  escrevo  pouco.  O 
«Cancioneiro»  é  um  debique;  se  os  caricaturistas  de  Daude- 
laire  me  ladrarem,  pode  ser  isso  a  m."  saúde  moral.  Eu,  sem 
vaid.®  nem  arrogância,  desejo  a  lucta,  e  não  me  envaideço 
do  triumpho.  Elles  são  uns  asnos,  d'uma  ignorância  pre-his- 
torica,  cyclopica,  tudo  q  é  tenebrosamt.^  grande. 

Adeus.  D.  Anna  diz- te  mt."'  coisas  affectuosas,  e  eu  sou 
o  teu 

T.  C. 
7/5/79 

Camillo  C.  Branco. 


37 


XVI 
MEU  QUERIDO  THOMAZ  RIBEIRO. 

Estive  24  horas  indignado  com  a  idea  de  que  estavas 
gravemente  doente.  Parecia-me  isto  uma  horrenda  crueldade 
que,  se  eu  tivesse  uma  grande  fé,  me  tolheria  a  confiança  na 
oração,  apesar  dos  grandes  milagres  justificados  pelos  Te- 
Deum  recentes.  Abraço- te  mt.°  mt.°  alegre.  Temos  nesta  casa 
o  Te-Deum  da  alegria. 

20/5/79. 

Teu  Camillo. 
XVII 
MEU  QUERIDO  THOMAZ  RIBEIRO. 

]a  ca  tenho  dez  folhas  dos  teus  sanctos  e  formosos  versos. 
Fazem-me  uma  grande  tristeza.  Parece-me  que  tenho  a  ca- 
beça de  fora  da  campa  para  ouvir  eccos  de  uma  existência 
extincta.  A  m.^  massa  encephalica  está  passando  p.'^  esquisitas 
hallucinaçoens.  Q.™  me  dera  ver- te!  ]a  não  posso  ir  a  Lisboa 
como  ia  d'antes  alegremt."  Se  o  ministro  da  justiça  te  consul- 
tar a  respt."  de  despachar  Ant.°  José  Barbosa  Resende  p.^ 
escrivão  de  direito  sê  propicio  a  este  rapaz  q  fez  p.^  isso 
exame  ha  3  annos,  e  p/  falta  de  patrono  não  foi  despachado. 

EUe  é  cazado  com  uma  m.^  sobr.^  irman  do  Ant."  d'Azevedo 
Cast."  B."  eleito  deputado  regenerador  p.*"  V.'  Real.  Diz-me 
este  meu  sobr."  que  tarde  poderá  pedir  na  sua  posição  hostil 
e  inflexível  ao  governo.  Também  o  creio  assim. 

Faze  o  que  poderes. 

Teu  do  c. 

C.  Cast°  Branco. 
T.  c. 

6/11/79 


38 


XVIII 

MEU  PRESADO  THOMAZ  RIBEIRO. 

O  apresentante  destas  linhas  é  o  Sr.  José  Augusto  Vieira 
medico  militar  e  escriptor  distincto.  Se  ja  leste  as  Phototi- 
pias  do  Minho  (e  só  te  desculpo  se  as  não  leste,  a  pedido 
da  Pátria,  que,  a  espaços,  te  arreda  das  lettras  amenas)  não 
me  leves  a  mal  a  recommendação.  Peço-te,  meu  incansável 
amigo,  que  o  protejas  na  pretenção  que  elle  te  exporá  com  o 
laconismo  com  que  costuma  escrever.  De  modo  que  te  abro 
ensejo  a  apertares  a  mão  de  um  bom  camarada  nesta  milí- 
cia das  lettras  em  que  já  tão  raras  vezes  nos  encontramos. 
Abraça-te  o  teu 

C.  Castello  Br.*' 


Seiõe 

25/5/81 


XIX 


MEU  QUERIDO  THOMAZ  RIBEIRO. 


Aquella  creancinha  de  1866  caza  um  destes  dias.  Talvez 
lesses  nas  gazetas  o  processo  um  pouco  irregular  deste  ma- 
trimonio. O  Nuno  é  feliz,  ao  q  parece.  Rapariga  de  16  annos, 
não  feia  e  doze  contos  de  renda.  Ambos  mt.''  ignorantes.  Olha 
que  grande  feHcid.^  ó  Thomaz  Rib,"! 

Abraça-te  o  am.°  velho 

C.  Cast."  Brr 


39 

XX 

MEU  THOMAZ  RIB.» 

30/5/81, 

Sabes  com  que  alegria  és  festejado  em  Seide.  Os  rapazes 
cazam  5/  fr/  Não  podes  assistir  porque  o  facto  sacramental 
é  mt.°  cedo  —  a  menos  q  não  venhas  de  véspera.  Se  vieres 
no  1."  comboyo  de  5."  encontras  na  estação  do  Pinh.°  m.* 
filha  Amélia,  o  marido  Carvalho,  e  a  m.*  neta  Camilla.  Se 
vires  o  grupo,  conheces  e  tens  companhia.  Na  estação  de  V/.* 
Nova  espera- vos  um  trem  até  á  Portella.  Lembras -te? 

Adeus,  meu  querido  am.° 

Responde  alguma  cousa.  Teu  C.  C.  Br° 

XXI 

MEU  QUERIDO  THOMAZ  RIBEIRO. 

Quando  eu  ahi  te  esperava  em  caza  de  m.*  filha,  foi  ella 
procurada  por  uma  senhora  da  sua  amisade,  que  lhe  pediu  a 
m."  coadjuvação  a  fim  de  que  tu  chamasses  para  fazer  serviço 
na  corveta  Sagres,  um  seu  irmão,  tenente  da  Armada,  A. 
Gonçalves  Pinto  Júnior  que  está  em  serviço  em  Faro.  A 
Amélia  disse-me  que,  se  me  não  custava,  q  te  pedisse,  e  eu 
digo- te  que,  se  podes,  faças  a  vontade  a  todos  4.  O  pai  deste 
tenente  é  o  official  superior  de  marinha  Gonçalves  que  talvez 
conheças  ahi  no  Porto. 

Anna  Plácido  está  pouco  melhor.  Adiamos  a  tua  vinda  e 
não  prescindimos  dessa  fineza.  ChampaHmaud  escreveu-me 
promettendo  vir  comtigo. 


40 


Tomo  banhos  de  caldas  artificiaes  contra  as  nevralgias  e 
leio  de  Senectute  de  Cicero. 

Achei  hontem  entre  a  papelada  pueril  de  m.^  nora  tras- 
lados do  D.  Jai/me.  Mas  o  mais  curioso  é  não  saber  ella  que 
Th.  Rib."  —  o  Thomaz  Rib.°  que  ella  conheceu  no  Bom 
Jesus  —  é  o  auctor  do  D.  Jaime.  Imaginava-te  talvez  um 
joven  louro  de  melenas,  luneta  n'um  olho  e  badine.  Que  de- 
cepção para  ti,  meu  am.° ! 

Seiôe,  3/7/81  Teu  Camillo. 


XXII 


MEU  PRESADO  THOMAZ  RIBEIRO. 

O  snr.  Manoel  Correia  de  Lacerda  portador  destas  linhas 
leva- te  com  ellas  um  instante  pedido  á  tua  generosidade  para 
que  cooperes  com  o  teu  patrocínio  para  que  elle  seja  no- 
meado escripturario  do  escr.*™  de  fazenda  em  V.*  Nova  de 
Gaya  ;  e,  qd.°  não  seja  possível  por  ir  extemporâneo  o  pedido, 
deseja  ser  elle  um  dos  amanuenses  do  caminho  de  ferro, 
logares  creados  ha  pouco  e  ainda  não  providos.  Este  rapaz 
é  irmão  do  adorável  poeta  Narciso  de  Lacerda.  Elle  não  faz 
versos  —  o  que  deixa  entrever  um  óptimo  empregado  bureau- 
cratico.  Sinto  bem  não  t'o  appresentar  com  esse  aleijão  por 
que  sei  q.'"  tu  te  disvelas  em  dar  a  mão  aos  que  a  tem  bem 
provada  na  Lyra.  Este  empenho,  meu  caro  T.  Ribeiro,  não  é 
banal  nem  de  mera  condescendência. 

Peço-te  pois  com  o  maior  encarecimt."  que  te  consideres 
obrigado  pela  tua  velha  estima  a  livrar  o  snr.  Lacerda  das 
garras  do  commercio  onde  elle  se  sente  agonisar  na  flor  dos 
annos. 

Minha  filha   communicou-me  as  difficuld.'*  que  tens  em 


41 


chamar  o  Gonçalves  para  a  Corveta.  O  Chardron  ficou  de  te 
fallar  sobre  o  prefacio  da  reedição  que  vai  fazer  do  teu  livro. 
Abraça-te  o  teu  velho  am.° 
m.'"  grato 

T.  C. 

24  7-81 

C  Cãstello  B: 

XXIII 

MEU  PRESADOTHOMAZ  RIBEIRO. 

Este  pedido  não  é  banal.  Peço- te  que  escrevas  ao  Hintze 
sobre  a  pretenção  relativa  aos  docum.*"^  juntos.  O  pretendente 
é  primo  da  mulher  de  meu  filho  Nuno.  Se  valho  comtigo  al- 
guma cousa,  pede  com  instancia  sim  ?  Estou  na  Foz  e  retiro 
2.^  feira. 

Teu 

Camillo  C  Br: 

XXIV 

MEU  CARO  THOMAZ  RID.'» 

Ainda  agora  te  envio  a  carta  do  Lopo  Vaz.  Um  dos  trez 
logares  que  pedias  p.*  o  meu  afilhado  —  ou  todos  trez  foram 
dados  a  outros  pretendentes.  Tive  pena  do  primo  da  Maria 
Isabel,  porq.  lendo  a  carta,  julgou  se  despachado.  O  ministro 
quando  voltar  de  Cauterets  ja  não  se  lembrará  do  q  promet- 
tera,  e  terá  razão.  Deus  lhe  dê  saúde,  e  a  ti  e  a  mim,  e  graça, 
ou  pelo  menos  chalaça  p.^  o  servirmos.  Tenho  soffrido  m.'° 
da  vista.  Desculpa  as  importunaçoens  do  teu  m.*°  am.° 

T.  C. 

5/9/81 

C  Cãstello  Br: 


42 
XXV 

MEU  PRESADO  AMIGO. 

Vi-te  de  relance  na  estação  do  Pinheiro  quando  vinha 
com  a  m."  fam;*  para  a  Foz.  Não  pude  abraçar- te  por  que 
era  tarde  para  me  demorar.  Logo  q  o  tempo  se  humanise, 
irei  ver-te,  abraçar- te  e  pedir-te  desculpa  de  mt.*^  faltas  invo- 
luntárias. Affectos  de  toda  esta  fam.^ 

Teu  do  c. 

Hotel 

Mary  Castro 

22/10/81 


XXVI 


C.  Casf.  Br. 


MEU  FILHO. 


Ahi  tens  o  memorial  do  primo  da  Maria  Isabel,  mulher 
do  Nuno.  Faze  o  q  poderes.  Não  te  roubo  tempo.  Abraço-ti 

Teu  do  c. 

T.  C.  C.  Castello  Brr 

1  òe  Dz.»  81 

XXVII 

MEU  AMIGO. 

Quando  leste  o  Cancioneiro  alegre  decerto  te  riste  dos 
commentarios  ao  poema  socialista  do  D.""  Donnas  Botto.  Eu 
cuidei  então  q  elle  tivesse  morrido. 

Está  vivo  o  D.'^  em  medicina  e  bacharel  em  direito  Luiz 
Maria  de  Carvalho  Savedra,   de  Ervedosa  do  Douro.  Elle 


43 


diz-me  que  te  escrevera  quando  eras  governador  civil  do 
Porto.  Este  homem  não  fez  vida  como  medico  nem  como 
jurisconsulto  em  qt.°  teve  umas  vinhas.  Hoje  não  tem  nada  - 
tem  uma  livraria  e  fome.  Dá- lhe  alguma  cousa,  por  alma  dos 
homens  de  lettras  que  morreram  na  mizeria.  Conheci- o  em 
Coimbra  em  1846.  Nós,  os  caloiros,  respeitávamos  o  seu 
aprumo  de  sábio,  o  luxo  do  seu  trajar  e  a  soberania  clássica 
e  preponderante  dos  seus  óculos  de  ouro.  Pobre  velho!  mal 
diria  eu  que  elle  me  havia  de  dizer,  a  mim,  quase  tão  pobre 
como  elle  —  «não  tenho  pão» ! 

Vou  sahir  do  paiz  em  quanto  tu  fores  ministro  d'elle. 
Cuidam  que  eu  sou  um  canudo  transmissor  das  sympathias, 
entre  ti  e  os  pretendentes.  ]a  não  posso.  Deus  te  ponha  d'ahi 
para  fora  ou  me  leve  deste  mundo. 


T.  C. 

30/12/81 


Teu  do  c. 
C.  Castello  Br 


xxvin 


MEU  QUERIDO  THOMAZ  RIBEIRO. 


Não  fui  abraçar- te  ao  Porto  porque  o  meu  pobre  Jorge 
fallava  mt.°  em  suicídio,  e  eu,  para  o  deslocar  deste  meio  das 
suas  visualid.^',  fui  para  Vianna  e  levei-o  comigo  e  mais  a 
lamentável  mãe.  Voltou  melhor:  não  falia  em  morrer,  mas 
está  sempre  a  defender  esta  these :  «que  a  morte  é  o  único 
ceo  admissível  para  os  homens  infelises.»  Com  este  materia- 
lismo é  mt.°  de  recear  o  desfecho  que  temo. 

Tem  saúde  e  alegria  como  t'as  deseja  o  teu  velho 

C  CasL  Br.'' 

Seiõe/l  8/8/82 


44 

XXIX 
MEU  PREZADO  THOMAZ  RID." 

Demorei  a  resposta  do  Donas  Boto  p/  que  so  agora  a 
recebi,  por  causa  da  errada  direcção  q  dei  á  pergunta.  Se  ti- 
veres vagar,  lê  o  ultimo  período  da  carta  d'elle,  ao  qual  não 
posso  responder  sem  tua  auctorisação  e  sem  os  teus  escla- 
recimentos. 

Lembra- te  do  teu  velho  am.° 

C  Cast'  Bvr 

25/1/83 

XXX 

MEU  AM.» 

Luis  Maria  de  Carvalho  Saavedra  Donnas  Boto  é  doutor 
em  medicina,  bacharel  em  direito,  sabe  linguas  vivas  e  mortas, 
faz  maus  versos  e  prosas  rasoaveis.  Prevendo  que  tu  me 
perguntarias  o  q  elle  queria,  respondeu-me  com  uma  grande 
carta  de  q  te  envio  um  fragmt.°  pois  que  estou  m.'°  doente  e 
não  posso  escrever 

A  D.'  meu  caro  am." 

Teu  do  c. 

C.  C  Br 
XXXI 

MEU  QUERIDO  AMIGO. 

Não  tenho  a  minima  razão  de  me  queixar  da  descon- 
sideração do  Sr.  D.  Luiz,  se  elle  ignora  que  Mag.^'  Cout.° 
ficou  com  os  livros  que  eram  destinados  a  el-rei.  Também  tu 


45 


não  tens  razão  para  censurar  que  o  Diester  ha  18  annos  me 
dissesse  que  os  livros  estavam  em  casa  do  M.  Cout.Vpor  q  s. 
m.  os  regeitára,  salvo  se  o  Biester  mentiu ;  mas  tanto  não 
mentiu  que  os  livros  nunca  chegaram  ao  conhecim.*°  do 
Sr.  D.  Luiz.  Seria  necessário  que  o  Biester  fosse  um  aulico 
da  intimid.^  d'elrei  p.*  lhe  ser  desairoso  revelar  o  q  la  ia  no 
paço.  Venho  com  isto  para  me  justificar  de  citar  o  nome  do 
Biester  de  modo  que  a  sua  memoria  te  pôs  no  espirito  uma 
impressão  desagradável.  Eu  cuidei  que  não  lhe  deslusia  o 
bom  caracter.  Como  não  posso  rasgar  uma  carta  do  meu 
querido  T,  Ribeiro,  devolvo-fa. 

Escrevi  antes  de  hontem  enviando  te  o  requerim.'"  do 
D.  Boto.  Estou  á  espera  de  que  venha  um  dia  regular,  a  ver 
se  me  transporto  p.^  uma  casa  de  saúde,  não  para  me  curar, 
mas  para  morrer  longe  do  Jorge  que  está  continuam.^"  a 
perguntar- me  se  morro. 

Adeus.  Custa-me  entristecer- te  por  q  te  conheço  a  alma. 


8/2/83 


Teu  mt.°  grato 
C  Cast'  Br.' 


(Segue  a  carta  be  Thomaz  Ribeiro  a  que  Camillo  se  refere  na 
anterior). 

MEU  PRESADO  CAMILLO. 

P.'^  reservada 

Eu  cometti  uma  inconfidência  de  que  te  peço 
perdão. 

Chegava  eu  á  Ajuda  e  dava- me  o  Sr.  D.  Luiz 
três  livros  seus  com  o  offerecim.^^  —  a  Cam.° 
Cast."  Branco  escripto  e  assinado  por  elle. 
Lembrando-me  da  tua  carta  perguntei- lhe  se 
elle  sabia  que  lhe  tinhas,  ha  tempo,  inviado  as 
tuas  obras,  disse-me  que  não.  Seg.^^  vez  lhe 


46 


perguntei  se  o  M.  Coiit°  Was  não  tinha  offe- 
recido  respondeu- me,  espantado  da  minha  in- 
sistência, que  não  costumava  faltar  á  verdade. 
Foi-me  fácil  justificar  a  mf^  indelicadeza,  con- 
tando-lhe  a  verdf  e  dizendo- lhe  onde  estavam 
os  livros  que  lhe  offereceste.  Não  fallei  no 
Biester.  Já  morreu  e  deveu  ao  Rei,  que  m^o  re- 
commendou  instante m.^^  o  ultimo  pão  que  o  ali- 
mentou no  final  da  sua  vida.  Fosse  verdade, 
m,*"  embora,  elle  não  devia  delatar-fo. 

Perdoemos  aos  sepultos. 

Muito  mal  servidos  são  os  Reis  ! ! 

Faze  pois  o  que  te  parecer,  queima  os  livros 
que  te  invio,  mas  eu  não  faço  ao  Rei  a  desfeita 
de  lhe  tornar  a  entregar  os  livros  que  elle  me 
deu  com  tamanha  vontade  de  q  te  fossem  in- 
V  lados. 

Meu  prezado  Cam.°  não  tens  ninguém  mais 
teu  am.°  nem  que  te  falle  mais  yerdf  do  que  eu, 
que  sou  ha  m.^^  o  teu  devoto  adm°'' e  ohg."'° 

8  òe  Fev." 

Thomaz  Ribeiro. 

XXXII 

MEU  QUERIDO  THOMAZ. 

Pelo  despacho  do  es."'""  da  fazenda  de  Chaves  p.*  o 
Porto  deve  haver  uma  vaga  de  3.". 

Lembra-te  do  M.^'  d'Ascensão  Espinho,  escripturario  de 
Fam.'"" 

Teu  mt.° 
do  c. 

C.  Castello  Br."" 


47 

XXXIII 

MEU  THOMAZ  RIBEIRO. 

Começa  a  felicid.*  do  Donas  Boto  aos  70  annos.  E'  tarde ; 
mas  ainda  lhe  restam  alguns  annos  amparados  pelo  pão  que 
lhe  deste.  Elle  hade  lembrar-se  de  ti  mt.^''  vezes:  e,  posto  q 
elle  não  reze,  essas  lembranças  serão  como  oraçoens.  Bem, 
meu  caro  am,*'  Eu,  como  sou  m.^"  infeliz  (extranho  phenomeno !) 
alegro-me  quando  vejo  os  outros  que  o  são  sahirem  da  m.'' 
plana.  Dizem  q  a  velhice  e  a  desgraça  e  a  infermid.*"  são 
egoístas.  Sancto  Deus,  como  eu  seria  infeliz,  se  isto  fosse 
verd.* ! 

Teu  do  c. 
T.  C. 
20/2/83  C.  Cast°  Br 

4 

XXXIV 
MEU  PRESADO  THOMAZ  RIBEIRO. 

Agora,  meu  querido  amigo,  nunca  te  pedirei  mais  nada 
senão  q  sejas  meu  am.°  até  ao  fim,  e  me  absolvas  da  sarai- 
vada de  cartas  pedintes  com  que  ajudei  a  perturbar  a  sereni- 
dade da  tua  vida  de  ministro.  Beijo  te  na  face  como  me  fez 
ha  pouco,  o  escrivão  de  fazenda. 

Como  supplemt."  ás  minhas  infelicid.'^  pathologicas,  o  Se- 
nhor enviou- me  uma  ophtalmia  que  so  me  permitte  o  uso 
moderado  de  um  dos  olhos.  Anna  Plácido  queria  escrever-te 
a  agradecer  o  despacho  do  amigo  do  seu  filho  morto ;  mas 
prefere  poupar- te  á  leitura  de  mais  uma  carta  das  pessoas 
tuas  amigas  e  inolvidavelmt.^  gratas. 

Adeus  meu  quer."  Th.  Rib." 

Teu 

T-  C.  Camillo. 

9/1/84 


48 


XXXV 

MEU  PRESADO  TriOMAZ  RIBEIRO. 

Necessito  urgentemente  escrever- te  ur/ia  carta  longa,  mas 
nem  p.*  isso  tenho  saúde.  So  duas  palavras.  O  meu  filho 
Jorge,  o  louco,  é  filho  adulterino.  Nada  pode  herdar.  Sanctas 
leis!  A  mãe  so  pode  deixar-lhe  a  3.*,  não  como  a  filho,  mas 
a  estranho;  mas  temos  10  contos  nominaes  em  coupons  na 
mão  de  m.*  filha  Amélia.  Tratei  com  a  mãe  que  tu,  meu  caro 
am.",  farias  eo  Jorge  doação  desta  quantia.  So  assim  se  pode 
garantir  o  futuro  deste  desgraçado,  se  viver.  Os  coupons  hão 
de  passar  a  Inscripçoens  de  assentamt.",  com  reversão  p.*  a 
mãe  ou  irmão,  se  elle  morrer  prim2Íro.  Eu  sinto- me  no  termo 
da  vida.  Se  eu  morrer,  D.  Anna  escreve-te  e  tu  decerto  te 
prestarás  a  esta  sancta  fraude  p.*  amparar  o  meu  filho.  Elle 
ficará  assim  com  8  contos  q  chegarão  para  pagar-lhe  um 
quarto  em  um  hospital  de  alienados. 

Tinha  começado  um  trabalho  de  muito  fôlego  intitulado 

O  [Zinho  do  Porto 

Processo  da  besfialid^  ingleza 

Exposição  a  Thomaz  Rib!' 

p:  C.  C.  B. 

Ja  o  não  poderei  concluir.  A  imprensa  d'ahi  e  do  Porto 
cuida  que  me  incommoda  com  a  troça  do  viscondado.  São 
couces  que  eu  ja  não  posso  rebater  com  o  meu  ja  partido 
chicote. 

Adeus  meu  f." 

Teu  do  c. 

24/3/84 

C.  C.  Br.' 


49 

XXXVI 
MEU  QUERÍDO  IKOMAZ  RIBEIRO. 

Trouxe  me  grande  tranquillid.®  a  tua  carta.  Sei  que  farás 
o  que  a  mãe  te  disser  para  lhe  segurar  o  futuro  que  não  será 
longo.  Elle  pode  ficar  com  8  contos  de  reis,  cujo  rendimento 
chega  para  as  suas  moderadas  precisoens. 

]á  está  no  prelo  a  Exposição  que  te  faço  da  bestialidade 
ingleza.  Mandei  tirar  2  exemplares  especiaes  em  formato  de 
4,°  para  ti  e  para  o  Snr.  D.  Luiz. 

Poupemos  o  teu  tempo,  e  adeus. 

Teu  do  c. 

C.  Castello  Br 
T.  C. 

27/3/84 

XXXVII 

MEU  QUERIDO  THOMAZ  RIBEIRO. 

Muito  obrigado  pelas  consoladoras  expressoens  da  tua 
carta.  As  amisades  como  a  tua  revigoram  e  alentam. 

Se  S.  Mag.  me  desse  agora  o  titulo,  sem  eu  o  ter  solici- 
tado, aceital-o  ia  para  não  praticar  a  grosseira  fanfarronice 
de  o  renunciar  tendo  o  eu  ja  pretendido  três  vezes  como 
ElRei  sabe  e  tu  também;  —  aceital-o  ia  empenhando  as  mi- 
nhas faculdades  de  trabalho  a  um  editor  para  poder  pagar  os 
direitos  de  mercê;  porém  consultado  previamt."  por  ti,  meu 
Thomaz,  respondo  q  aceito  como  titulo  supremamt.-  honori- 
fico querer  S.  M.  concederm'o;  mas  só  isso,  por  q  não  tenho 
filho  algum  a  q.™  possa  utilisar  o  meu  sacrifício  aos  58  annos. 
O  Nuno  em  q."'  decerto  pensavas  qd."  me  escreveste  não  está 


5Ò 


mt.''  mais  longe  da  sepultura  q  eu,  e  até  poderá  estar  mais 
perto.  O  Jorge,  bem  sabes,  ja  lá  está. 

A  Sua  Mag.  e  a  ti  se  rende  a  gratidão  indelével  do  teu 

Camillo  Casíello  Br.'" 
T.  C. 

29/4/84 

XXXVIII 

MEU  PRESADO  THOMAZ  RIBEIRO. 

Jorge,  o  meu  querido  doudo,  pediu-me  q  te  mandasse  a 
inclusa  poesia.  Faço  o  q  elle  pede  p.'  q  sei  q  a  lerás  com 
um  sorriso  de  amoravel  compaixão.  Por  aqui  está  tudo  morto, 
envidraçado  de  gelo;  e  o  meu  pobre  filho  tem  na  fantasia 
flores  e  mariposas.  Se  houvesse  um  Deus  em  communicação 
com  as  suas  desgraçadas  creaturas  q  me  permittisse  trocar  a 
m.'"*  vida  consciente  pela  deste  mentecapto,  eu  não  aceitaria 
a  troca  para  não  lezar  enormissimamt.^  o  meu  filho. 

Qualquer  dia  vai  ahi  o  Eduardo  da  Costa  Santos  com- 
mandante  de  bombeiros,  e  meu  editor,  entregar  a  el-Rei  o 
exemplar  do  «General  Carlos  Ribeiro>.  Naturalmt.^  procura- 
te,  pedindo-te  q  o  apresentes.  O  snr.  D.  Luiz  conhece-o.  Este 
Santos  tem  por  el-Rei  um  fanatismo  medieval.  Honrado  e 
valente  homem.  ]a  veio  a  Seide  trez  vezes  recitar-me  umas 
palavras  q  S.  M.  lhe  dirigiu  em  um  jantar  no  paço  do  Porto. 
Se  o  Sr.  D.  Luiz  ler  o  meu  folheto,  dá-me  a  sua  opinião  jun- 
tamente com  a  tua.  E  adeus  meu  querido  amigo. 

Teu  do  coração 

Camillo  Castello  B.'° 

(Seguem  os  versos  a  que  se  refere  a  carta  anterior). 

Florinha  perfumosa, 
que  estás  no  meu  jaròim 
Concebe  á  maripoza 
A  folhinha  formoza 
Que  tinhas  para  mim. 

Jorge  Castello  Branco. 


SI 


XXXIX 
MEU  QUERIDO  THOMAZ  RIBEIRO. 

Estava  para  ir  a  Lisboa  o  E.  da  Costa  Santos  procurar- 
te  com  o  livro  p.^  o  Snr.  D.  Luiz.  Disse-ilie  que  não  fosse 
sem  q  eu  primeiramente  soubesse  quando  S.  M.  poderia  re- 
cebêl-o.  Parece-me  que  o  lucto  será  impedimento  p."*  alguns 
dias.  Dize-me  em  duas  linhas  quando  elle  poderá  ir. 

Tenho  estado  mais  afflicto  que  de  costume  receando  que 
o  Nuno  perca  a  vista  em  resultado  de  uma  irite.  Tem  aqui 
vindo  um  especialista  do  Porto  que  tem  esperanças  de  que 
elle  apenas  fique  cego  de  um  olho.  Ha  dois  mezes  veio  d'ahi 
com  tubérculos  (dizia  o  Sz.^  Martins)  que  felizmt.^  eram  ape- 
nas uma  passageira  impermeabilid.^  no  pulmão  esquerdo. 
Depois,  appareceu  a  ophtalmia  q  é  mais  seria.  De  q  tem  ser- 
vido a  superabundância  de  dinheiro  áquelle  rapaz?  Estafou - 
se,  deteriorou  a  sua  fraca  compleição  a  guiar  tiros  de  cavai- 
los.  Vi  que  tiveste  em  casa  um  mortuorio.  E'  triste  ver  mor- 
rer uma  creança! 

Adeus,  meu  filho. 

Teu  do  c. 

P.  S. 

C.  Cast."  Brr 

Lembranças  de  A.  Plácido.    ' 

XL 

MEU  QUERIDO  THOMAZ   RIBEIRO. 

5/5/84 

Como  eu,  na  minha  ultima  carta  referente  ao  titulo,  te 
disse  que  S.  M.,  e  tu  também,  sabiam  que  eu  pedira  trez  ve- 


Ô2 


zes  a  graça,  n'aquelle  «tu  também»  pode  involver-se  a  hypo- 
these  de  q  em  tempo  te  escrevi  a  tal  respeito  e  não  achaste 
agora  a  carta  em  q  eu  te  indicava  a  denominação  do  titulo. 
Deste  modo,  fica  ElRei  entendendo  q  depois  dessa  ultima  ten- 
tativa, a  m.*  enfermid.e  q  Jog  nieus  filhos  nos  desprenderam 
de  ambições  de  regalias,  q,  p.'*  o  serem,  requerem  um  certo 
contentamt.*'.  e,  sobre  tudo,  saúde  -  esperança  de  vida.  Do 
q  eu  me  não  desprendo  é  da  muita,  muita  gratidão  a  q  sua- 
vemt,^'  me  obrigam  estas  tuas  cartas  e  a  boa  disposição  de 
S.  M.  a  meu  respeito. 

Ainda  não  recebeste  O  vinho  do  Porto  (a  sêcco)  por  q 
o  principiei  para  40  paginas  e  já  vai  em  90  com  as  intermit- 
tencias  humouristicas  que  me  occorrem  q.'^^  vejo  as  provas. 

Queria  enviar  te  p.^  tu  mandares  com  alguma  dadiva  tua 
para  a  Creche  uma  caixa  p.^  rapé  antiga  de  bronze  lavrada ; 
mas  q  não  pertence  perfeitamt.*^  á  idade  do  bronze.  Não  sei 
como  hei-de  mandal-a  aqui  deste  sertão.  Tenciono  pedir  ao 
Costa  Santos,  o  editor,  q  se  encarregue  d'isso,  se  eu  poder 
ir  ao  Porto  e  a  kermesse  se  demorar.  Ha  mais  de  50  dias 
que  estou  de  cama  á  espera  de  um  dia  de  sol  que  venha 
applacar-me  as  nevralgias.  Vê  se  dos  teus  cem  annos,  em 
perspectiva,  me  cedes  2  ou  3,  e  contenta-te  com  97. 

Anna  Plácido  diz  q  não  te  esqueças  da  sua  inalterave 
amisade  mt,°  reconhecida. 

O  Jorge  fez  2  desenhos  e  dedicou-t'os.  E  que  desenhos ! 
O  Freguez  do  Albergue  tem  realismo  e  o  abbaõe  lambem 
O  meu  querido  doudo  lembra-se  de  ti  quando  o  aguilhoam 
as  aptidoens  artísticas  amalgamadas  no  turbilhão  de  trevas  q 
lhe  vai  na  alma.  Com.o  não  lhe  posso  mentir,  mando- te  os 
desenhos,  que  não  tencionava  enviar  te.  Mas,  pensando  bem 
p.''  q  não  heide  mandar-t'os?  Tu  tens  coração  p."  recolher 
esses  farrapos  de  uma  grande  intelligencia  despedaçada. 

Adeus,  meu  bom  Thomaz  Ribeiro. 

Teu  do  c. 

C.  Castello  Br° 


53 


XLI 

MEU  QUERIDO  THOMAZ  RIBEIRO. 

1 1/5/84 


A  curiosidade  publica  não  dará  grande  importância  ás 
Republicas,  porq  em  Portugal  a  gente  seria  e  valida  não 
teme  a  republica  por  que  a  considera  utopia  banal  de  alguns 
Paturots  vadios  e  de  poucos  homens  intelligentes  déc/assés 
desencadernados.  Ainda  assim,  o  q  houver  brilhantemt.^  his- 
tórico no  teu  trabalho  de  sociologia  comparada  hade  ter  sem- 
pre o  valor  de  prelecção  histórica. 

Um  periódico  com  tal  titulo  e  neste  quintal  do  tio  Lopes 
a  q  tu  chamaste  jarôim,  deve  ter  uma  secção  predominante 
—  a  do  ridiculo.  Convém  fazer  rir  o  publico  á  custa  de 
Arriagas,  de  Theophilos,  Magalhaens  Limas,  Conceiçoens  etc. 
Empalados  os  caudilhos,  personalisada  a  Republica  nelles  — 
sem  menospreço  da  questão  doutrinaria  —  a  questão  morre 
como  a  lendária  Maria  Rita.  Era  esta  a  secção  q  eu  tomaria 
sob  m.*  responsabilid.e,  se  eu  tivesse  saúde,  e  vivesse  perto 
desses  Aristogitons  p.*"*  elles  me  não  mandarem  a  Seide  homens 
barbaçudos  com  credenciaes  para  duellos.  A  monarchia  tem 
amigos  mt.°  intelligentes;  mas  ainda  não  entraram  na  linha 
recta  do  combate  com  a  pelintragem  que  hostilisa  o  rei.  Os 
progressistas  tem  praticado  a  censurável  insidia  de  favonear 
com  o  seu  silencio  e  ás  vezes  com  o  seu  applauso  as  diatri- 
bes do  Século  e  as  parlamentares  do  Arriaga.  Sempre  assim. 
Os  mais  avançados  do  liberalismo,  os  Passos,  entraram  no 
Porto  fazendo  cauda  ao  Povoas,  em  1846  ou  47.  A  atitude 
dos  jornaes  liberaes,  mas  opposicionistas,  é  a  da  satisfação 
quando  a  corte  é  insultada  em  caricaturas.  Girandolas  de  elo- 
gios á  graça  do  Bordalo,  a  mais  chata  e  desgraciosa  fantasia 
que  ainda  viste,  não  é  verd.^  ? 


54 


Esles  diabos  nem  sequer  se  fazem  perdoar  a  garotice 
pela  chalaça. 

Voltando  ao  periódico:  se  o  tomares  a  peito,  creio  que 
viverá  vida  modesta,  duradoura,  mas  sem  carruagem.  Se  eu 
recuperar  a  saúde  p.*^  um  milagre,  auxiliar- te-hei  quanto  eu 
souber  e  poder.  Mas  o  milagre! . . . 

O  Jorge  está  peorando.  Tem  accessos  de  ódio  e  falia  em 
matar.  Se  houver  victimas  a  primeira  hade  ser  a  mãe,  por  q 
era  q.i"  elle  adorava.  Hontem  lhe  disse  elle,  depois  de  a  in- 
sultar: «Não  diga  nada  disto  ao  papá,  por  que  elle  está  mt." 
velho,  não  sabe  o  que  diz  e  descompoem-me».  Nunca  lhe  ra- 
lhei, nem  tive  expressão  áspera  que  lhe  dissesse ;  apenas  lhe 
tenho  supplicado  que  não  se  embriague ;  mas  elle  embriaga- 
se  por  que  sente  alg.""  beneficio  com  esse  acréscimo  á  de- 
mência. 

Mandei-te  um  folheto  antigo,  q  talvez  não  tivesses  visto. 
Esse  Gonçalves  Basto  foi  o  amante  da  Garrett,  em  Londres, 
que  deu  causa  ao  divorcio  em  1837.  Vou  se  poder,  ámanhan 
ao  Porto.  De  lá  te  mandarei  a  caixa  p.^  a  Kermesse. 

De  todo  o  coração 

teu 
C  Castello  Brr 

XLII 

^  MEU  AMIGO. 

Venho    pedir-te   a  fineza  de  fazeres  chegar  á  mão  do 
Sr.  D.  Luiz  o  exemplar  da  bagatélla  q  vae  junto  com  o  teu. 
Doa  saúde  te  deseja  o  teu  obrigadissimo 


C  Castello  Br." 


T.  C. 
Seiôe  1  õe  ]unho  5e  1884 


55 

XLIII 

MEU  THOMAZ  RIBEIRO. 

A  tua  poesia  dos  Albergues  é  uma  maravilha.  Eu  cuidava 
que  ja  não  havia  faisca  de  commoção  p.^  mim  em  versos.  E' 
pois  certo  que  sob  a  corrente  eléctrica  do  génio  não  ha  cadá- 
veres impassíveis. 

Não  dês  importância  á  carta  que  te  escrevi  á  cerca  do 
escr.^'"  de  Murça.  Elle  veio  aqui  e  está  resignado  e  quase 

feliz. 

Teu  do  c. 

Camillo  C.  Brr 


XLIV 


MEU  AMIGO. 


E'  preciso  cuidado  com  essa  perna.  Lembra-te  do  calca- 
nhar d'Achilles,  quando  te  alegra  a  previsão  de  assistires  ao 
teu  centenário. 

Minha  nora,  segundo  o  parecer  do  medico,  está  a  morrer. 
Considero-a  perdida;  mas  por  infortuaio  d'ella,  a  sua  agonia 
talvez  se  prolongue  até  ao  inverno.  A  m.'*  neta  talvez  a  pre- 
ceda. Esta  está  comigo  infelizmt.^ 

M.^  filha  Amélia  esteve  aqui  10  dias,  e  ganhou  forças 
Foi  p."  o  Bussaco,  onde  esteve  15  dias,  e  de  la  regressou  a 
uma  qt.*  que  tem  em  Valbom.  Parece  que  se  restaurará.  A 
Camilla,  m.^  neta,  também  estava  anemica,  e  melhorou.  A 
meu  ver,  o  excessivo  estudo  contribuiria  mt."  Tem  16  annos 
e  falia  correntemente  francez,  inglez  e  allemão.  Forte  asneira ! 
Para  que  lhe  servem  tantas  linguas,  sendo  ella  uma  língua 
de  ouro,  «Chrysostomo»  de  saias,  visto  q  tem  150  contos? 


56 


Diz  o  pai  q  em  qt."  ella  estuda  não  namora.  Pelos  modos, 
as  11$  virgens  eram  polyglottas;  mas  as  sabias  modernas  não 
tem  provado  bem  um  matéria  de  virginismo.  Que  eu  não  sei 
bem  o  q  tem  feito  a  Canuto.  Indaga  tu  para  ensaiarmos  uma 
statistica. 

Aqui  estou  embrenhado  em  Seide  como  auxiliar  á  pobre 
Anna  P.  nos  desgostos  por  q  está  passando.  Tinha  eu  immensa 
precisão  de  sahir  algum  tempo  deste  meio;  mas  não  devo 
nem  posso.  E'  morrer  no  posto.  O  Oliv.^  Martins  privou- 
me  do  passatempo  da  questiúncula.  Bem  cuidei  que  haveria 
grande  chinfrim  por  pt.^  dos  sábios  dep.^  que  avancei  a  pro- 
posição de  que  os  portuguezes  nada  apprenderam  dos  jesuí- 
tas. Creio  que  ninguém  levantou  a  luva  p,""  entenderem  que 
eu  estava  doido.  Pois  olha  q  era  uma  questão  bonita.  Por 
outro  lado  seria  bom  p.''  mim,  por  que  eu  escrevo  sem  livros- 
Vendi  a  minha  livraria  p.^  pagar  umas  dividas,  e  não  lezar  o 
pecúlio  ao  Jorge.  Receei  q  p.'  m."  morte,  o  Nuno  vendesse  a 
livraria  a  pêzo.  A's  vezes,  tenho  saudades  d'ella ;  mas  invoco 
a  reflexão,  e  applaudo-me  por  têl-a  vendido.  Restaura- te  de 
todo,  meu  querido  amigo,  e  dá-me  uma  vez  por  outra  noti- 
cias tuas. 

Teu  velho  e  gratíssimo  am." 


10/8/84 


XLV 


C.  Castello  Branco. 


MEU  QUERIDO  AMIGO. 


Morreu  a  minha  neta.  Sobreviveu  á  mãe  15  dias.  Teve 
dois  mezes  de  agonia  nos  braços  da  avó,  e  tinha  16  mezes. 
Gemeu  incessantemt.^  3  noutes  e  3  dias.  Quando  ouvia  fallar 
a  avó,  interrompia  os  gemidos  e  abria  os  olhos.  Eu  desde 
sabbado  q  não  cesso  de  chorar,  se  não  p.^  sentir  estallar-me 
o  peito  de  saudade.  Anna  Plácido  não  resiste  a  esta  dor. 


57 


Entretanto  o  pai  nem  uma  lagrima,  nem  uma  fingida  sen- 
sibilid.^  se  quer.  Consola  se  com  os  200  contos  q  herdou  da 
filha  e  da  infeliz  mulher.  Vive  em  uma  das  suas  quintas  ro- 
deado de  bêbados  da  m.*  baixa  condição  e  dizem  me  que 
trata  de  se  abarregar  com  uma  qualquer  mulher  na  caza  que 
ainda  cheira  ao  cadáver  da  esposa.  Está  gotoso,  com  uma 
cystits  procedente  da  blenorragia  e  alcoolismo.  Ainda  ha 
pouco  veio  d'ahi  classificado  tristemt.^  pelo  Sousa  Martins. 
Despreza  todos  os  conselhos  e  repelle  quem  lh'os  dá.  Per- 
dido de  todo  p.^  a  honra,  e  d'aqui  a  pouco  prostrado  paraly- 
tico,  ou  talvez  morto. 

Aqui  tens  a  m.*  vida.  Eu  sinto-me  morrer  de  desgostos  e 
de  falta  de  nervos  e  de  sangue.  Vou  experimentar  os  ares  do 
mar.  Am.anhan  vou  p.*  a  Foz,  p.*  o  Louvre.  Dize  me  alg.* 
cousa  da  tua  saúde.  E,  uma  vez  por  outra,  lembra-te  dos  in- 
felizes como  o  teu 

C.  Cast."  Brr 

4.*  fr.' 

XLVI 

MEU  QUERIDO  THOMAZ  RIBEIRO. 

Pela  assignatura  do  telegramma  incluso,  deves  ter  cautella, 
com  as  calumnias  dos  telegraphistas  que  te  compromettem. 

Abraço-te  pela  tua  saudação  n'um  dia  amarguradissimo... 
como  todos  os  de  teu 

C  CasL  Br} 

(Segue  o  telegrama  a  que  se  refere  a  carta  anterior). 

Camillo  Castello  Branco 

S.  Miguel  de  Seide  -  Famr" 

Ao  mestre  ao  seu  digno  Director  envia  boas  festas 

A  Redacção  dos  Republicanos 


58 


XLV/II 

MEU  QUERIDO  AMIGO. 

]á  appello  p.^  a  Republica  a  ver  se  deixas  de  ser  ministro. 

O  outro  meu  sob.°  q  atii  é  deputado,  o  ].^  Cast."  B.", 
pede-me  uma  carta  a  favor  de  um  cap.^™  Xavier  Machado 
—  carta  de  apresentação.  Não  tenho  remédio  senão  enviar- 
lh'a.  Comprehendes  isto. . .  e  o  resto. 

Teu  do  c. 

C  Cast.  Br." 

XLVIII 

MEU  PRESADO  THOMAZ  RIBEIRO. 

Quando  eras  governador  no  Porto,  pedi-te  não  me  lembra 
o  quê  a  favor  de  um  professor-poeta  Henrique  Marinho.  Não 
podeste  fazer-lhe  o  que  elle  pretendia.  Agora  me  pedem  de 
novo  para  que  eu  obtenha  de  ti  o  que  na  carta  inclusa  verás. 
Tenho  a  certeza  de  que  protegerás  o  homem,  se  estiver  na 
tua  mão  esse  despacho.  O  nosso  periódico  tem  leitores  ?  Es- 
tou que  o  acham  seriamt."^  engravatado  de  mais;  mas  como 
os  outros  andam  em  mangas  de  camisa,  pode  ser  que  o  leiam 
como  contraste  e  anachronismo. 

Teu  mt.°  grato 

19/1/85. 

C.  Castello  Br.'" 


59 

XLIX 

MEU  QUERIDO  AM." 

Não  te  é  permitlido,  como  escriptor  e  funccionario  de  pri- 
meira plana,  descer  a  pedir  subscriptores  p.'  um  periódico. 
Eu,  por  mim,  vendia  ha  poucos  annos  a  propried.^  dos  livros 
por  uma  bagatella,  para  não  sollicitar  assignaturas ;  e  hoje 
antes  de  as  pedir,  se  não  tivesse  editor,  morreria  silenciosamt.^ 
de  fome  ou  de  tristeza  ou  de  congestão  cerebral. 

Não  podemos  fazer  nada  deste  periódico.  Nasceu  incura- 
velmt.^  aleijado  —  pelo  formato,  pelas  condiçoens  de  hebdo- 
madario  —  pela  falta  de  noticiarismo  diário,  pela  gravidade  da 
redacção,  pela  collaboração  revelha  e  sem  interesse  litterario, 
de  alguns  amigos,  bem  intencionados,  mas  fugidos  do  Alma- 
nack  p.^  onde  devem  regressar. 

Estes  manuscriptos  q  hoje  me  enviaste,  e  devolvo,  são 
como  os  outros.  Como  heide  eu  examinar  a  dentadura  de 
cavallos  dados  ?  Sabes  o  anexim.  Como  se  hade  refugar  a 
semsaboria  de  Mag.^s  Cout.°,  idiota  senil,  que  acha  injusta  a 
opinião  contra  ].^  Agost°.  de  Macedo  por  q  elle  tinha  talento ! 
que  tem  q  ver  o  problemático  talento  do  frade  com  a  sua 
vida  infame,  sobre  a  qual  lavrou  sentença  a  opinião  publica  ? 
E  tanta  inépcia  para  nos  dizer  o  nome  de  uma  borbulha  q 
lhe  nasceu  na  cara.  Por  ventura,  um  escripto  desta  espécie 
admitte  analyse?  E  todavia  digo -te  q  o  publiques,  e  m/  os 
outros.  Eu  não  me  attrevo  a  magoar  o  Cordr.",  esse  bom 
homem  que  tem  a  immortalid.^  da  Douda  de  Albano,  e  já 
não  deve  morrer  ás  mãos  truculentas  d'um  pobre  diabo  como 
eu.  Olha,  T.  Rib.",  a  m.^  opinião  é  que  te  aguentes  na  l!"  serie* 
e  vejas  se  podes  sem  perda  acabar  com  isso.  E  depois  pensa- 
remos em  uma  Revista  quinzenal— Politica,  litteraria  e  critica 
—  com  32  pag.  em  8°,  na  qual  eu  entrasse  com  um  capt."  de 
romances,  tu  com  uma  revista  politica  e  uma  poesia,  o  Caldas 


60 

com  um  art.°  de  critica  litteraria,  e,  se  podesse  ser,  (pagando- 
lhe)  a  D.  M.*  Amália  com  o  que  quizesse  -  e  m/  alg.'"  que 
se  encarregasse  do  Carnet  Mondain.  Assim  creio  que  faría- 
mos uma  coisa  bonita  mas  lucrativa. 

Teu  do  c. 

C  C  Brr 


^\E\J  QUERIDO  T.  RIB." 

Amanhan,  5.*  fr.",  vou  p."  a  Foz  (Hotel  Mary  Castro)  com 
a  m.^  gente.  Vae  também  o  Jorge,  se  o  podermos  resolver  a 
deixar  o  espelho  e  a  cortar  um  calo.  Não  te  escrevo  mt.°  por 
^  não  posso.  Os  olhos  no  m.™"  estado.  Anoitece-me  ás  6  da 
tarde. 

Teu 

C.  C  Br.' 
LI 

MEU  PRESADO  TriOMAZ  RIBEIRO. 

R.^'  a  tua  resposta  na  Foz  onde  tenciono  demorar-me  8 
dias.  Estou  curando  uma  nevroze  de  olhos  que  me  tem  mor 
tificado.  Agradeço-te  a  promptidão  da  tua  condescendência 
em  solicitares  a  graça.  Se  por  parte  do  ministro  houver  al- 
guma delonga  significativa  de  pouca  ou  nenhuma  vontade, 
esperemos  que  tu  sejas  ministro. 

]a  avisei  o  D.  Botto.  Amarante  tem  o  rio  Tâmega  po- 
voado das  famosas  dryades  do  abbade  de  Jasente.  Que  mais 
quer  um  poeta  ? 

Abraço- te,  como  teu 

C.  Cast."  Br 


^1 

LII 

MEU  THOMAZ  RIBEIRO. 

Assim  como  íe  enviei  o  prefacio,  te  envio  o  Post-scvi- 
ptum  da  «Maria  da  Fonte».  Peço- te  que  revejas  essa  prova, 
ou  a  recommendes  á  commiseração  do  Revizor. 

Se  me  não  fosses  á  mão  pela  philaucia,  desejaria  ver  os 
art.*"  litterarios  (excepto  as  poesias)  q  entrarem  nas  Republi- 
cas. Como  precisamos  de  acceitar  e  não  impor  a  corrente  das 
ideas,  seria  bom  q  o  nosso  semanário,  prevalecendo-se  da 
seried.^  não  descambe  em  caturra,  nem  nos  retrograde  ao 
ominoso  romantismo.  Em  appreciação  de  poesia  dou-me  por 
incapaz.  As  tuas  sei  aprecial-as,  e  p.^  isso  m,™°  basta-me 
vêl  as  impressas. 

Teu  do  c. 

T-  C.  C.  Cast  Br." 

25  õe  março 

LIII 

MEU  QUERIDO  T.  RIBEIRO. 

O  expediente  de  me  submetteres  a  collaboração  das  «Re- 
publicas» não  é  bom,  por  q  eu  regeitaria  quase  tudo.  O  diabo 
da  velhice  perverteu- me  o  paladar  de  modo  que  este  fastio 
intolerante  me  está  sempre  levando  para  leituras  estrangeiras 
ou  para  as  antigas,  se  quero  achar  alguma  cousa  nova.  O 
nosso  periódico  desde  o  começo  apresentou-se  mt."  engrava- 
tado litterariamt.e  O  José  Caldas,  greco-latino,  com  um  estylo 
másculo  e  pujante,  laudanisou-se  para  escrever  p.'  uma  gente 
que  prefere  aphrodysiacos  ou  pelo  menos  chalaças.  Castilho, 
com  rouxinoes,  em  pleno  inverno,  deu-nos  uns  ares  de  Me 
nalco  de  tibia  sonorosa.  Os  contos  de  Lanhoso  do  Romeu  tem 


62 


o  cunho  romântico  de  1840,  e  aquiilo  ja  elle  nos  impingiu 
Irez  vezes,  m.'  ou  menos  incorrecto.  As  tuas  magestosas  poe- 
sias faziam  mal  ao  periódico  por  que  davam  azo  ás  confron- 
laçoens  com  o  resto.  O  Xavier  Cordeiro  está  no  cydo  litte- 
rario  do  Soares  Romeu  e  o  Vilhena  Barboza  é  uma  petrifi- 
cação  de  velharias  saturadas  de  preconceitos  q  ha  mt."  estão 
expungidos  da  sciencia  útil.  Esse  homem  p.'  força  devia  ser 
uma  pessoa  notável  na  Academia. 

E  o  certo  é  que  não  temos  onde  escolher,  quando  se  trata 
de  um  periódico  de  redacção  gratuita.  Ou  pagar  aos  raros 
como  Latino,  Ramalho,  Eça  de  Queiroz,  etc,  ou  aceitar  essas 
empadas  requentadas  que  solicitam  a  publicidade.  Tu  não  pre- 
cisas do  meu  voto  p.''  saberes  o  q  é  bom ;  mas,  bem  sei,  não 
queres  ler  —  nem  eu.  Deus  me  livre.  Antes  queria,  se  tivesse 
saúde,  encher  o  jornal,  p-^"  me  persuadir  que  o  faria  melhor 
do  que  elles  —  e  desculpa  a  basofia. 

E  estou  tão  inapto  p.*  escrever  que  o  medico  que  imagina 
salvar-me  impoz-me  o  preceito  de  não  escrever,  nem  pensar 
alguns  mezes.  Vou  retirar-me  de  Seide  para  o  alto  de  uma 
serra  e  viver  de  leite.  Provavelmt.^  não  pararei  até  cahir  no 
paradeiro  final. 

Abraço- te  com  mt.°  desejo  de  ainda  te  ver  uma  vez,  o 
que  me  parece  inexequível.  Teu  do  c. 

C  Casf.  Br." 


LIV 


MEU  QUERIDO  AM. 


A  acção  da  quimera  e  a  reacção  da  desgraça.  Sempre 
assim  a  m.*  vida. 

Pelo  exame  dos  especialistas  de  olhos  e*pelas  suas  appli- 
caçoens,  desconfio  que  vou  cegar.  Espero  meu  sob.°,  o  me- 
dico ].^  Cast.°  Br."' ,  vindo  de  V."  Real  p."  me  desenganar. 
E'  o  natural  resultado  de  40  annos  de  trabalho. 


63 


Na  hypothese  provável  da  cegueira,  q  será  p.*  mim,  a 
morte,  sequou-se  o  manancial  dos  meus  recursos.  Ficam  os 
da  mãe  dos  meus  filhos;  mas  eu  não  posso  nem  devo  sobre- 
carregal-a  com  o  pagamento  dos  direitos  pelo  titulo.  Por  tanto 
meu  querido  T.  R.  se  ainda  é  tempo,  não  promovas  a  obten- 
ção da  mercê,  visto  q  o  Estado  não  pode  dar-m'a  gratuita, 
nem  me  quero  ins:rever  entre  os  caloteiros  da  espécie  em 
questão.  Terás  o  ensejo  de  agradecer  novamt.^  a  ElRei,  se 
em  S.  Mag.^  como  supponho,  encontraste  boa  disposição  em 
attender-me. 

Muito  obrigado  pelas  diligencias  que  fizeste  a  bem  do 
Botto.  Para  Amarante  não  vae  mal. 

Adeus,  meu  filho.  Quem  sabe  se  te  escreverei  agora  a 
ult.''  carta  ? 

Teu  do  c. 

C  Casf."  Br.'^ 
S.  }oão  õa  Foz  19  ]unho  85. 


LV 

MEU  QUERIDO  AMIGO. 

Seiòe,  6.»  fr." 

Quando  suspeitei  q  os  especialistas  me  consideravam  atta- 
cado  de  cataratas  ou  amaurose,  perdi  o  animo,  e  não  pude 
demorar-me  na  Foz.  Precisava  ver  ainda  o  Jorge  e  a  mãe. 
Vim  ler  o  q  tenho  sobre  doenças  de  olhos,  e  parece-me  que 
o  meu  soffrimt.°  é  uma  nevrose,  e  que  nos  olhos  não  tenho 
lesões  irremediáveis.  Os  especialistas  não  me  disseram  q  as 
tinha;  mas  examinaram-me  demais.  Estou  animado  e  volto 
amanhan  p.*  o  Porto,  e  na  2."  vou  com  a  m.*  fam.^  para  a 
Foz. 


64 


Hontem  recebi  o  teu  telegramma.  A  tua  resolução  de  não 
desfazer  foi  boa,  se  eu  recuperar  forças  p."  o  trabalho.  E, 
se  as  não  recuperar,  de  qualq/  modo  me  desobrigarei  com 
o  thesouro;  comtigo  é  que  não  posso,  Vejo  q  ainda  não  con- 
segui aborrecer-te.  Se  o  decreto  foi  assignado,  como  presumo, 
os  jornaes  ainda  o  não  sabem.  Provavelmt.^  hão  de  sabel-o 
pelo  Diário  do  G.  Eu  queria  arranjar  saúde  para  ir  ahi  agra- 
decer a  S.  Magestade.  Não  a  espero.  Readquirida  a  vista, 
falta  me  recuperar  as  pernas.  Sustento-me  em  pé  encostado 
a  duas  bengalas.  E'  um  esphacelamento  espantoso  em  6  mezes. 

Se  houveres  de  me  escrever,  envia  a  carta  para  o  Hotel 
Mary  Castro,  Foz. 

Teu  do  c. 

C  Castello  Branco 
RS. 

R.**'  agora  os  parabéns  do  Bernardo  Pindella.  Em  vista 
disto  demoro-me  aqui  até  2.^  fr.^  Não  quero  apparecer  no 
Porto  quando  se  discute  o  mérito  do  agraciado.  Isto  não  é 
bem  modéstia:  é  medo  ás  trovoadas  de  lama 'que  ali  se  fazem. 


LVI 

MEU  QUERIDO  THOMAZ  RIBEIRO. 

Recebo  o  teu  telegramma  no  Porto,  onde  vim  expor- me 
aos  especialistas  de  olhos.  Volto  p.^  Seide  amanhan  esperan- 
çado na  cura. 

Quando  eu  poder,  se  poder,  irei  a  L-x**.  Não  irei  dizer- te 
nada  do  que  devo  á  tua  amisade. 

Teu  do  c. 
Camillo  C.  Brr     . 

23/6/85 


, ^ 

LVII 

MEU  QUERIDO  THOMAZ  RID.» 

Escrever  a  ElRei!  Eu  sei  Ia  como  isso  se  faz!  Dizeme 
como  se  começa  e  como  se  acaba  e  como  se  sobscripta.  Que 
ignorantissimo  visconde!  O  do  Granjão  e  o  defunto  das  Hor- 
tas não  se  veriam  em  maiores  angustias! 

Volto  p.*  a  Foz  2.^  feira  por  causa  dos  olhos. 

Teu  do  c. 

C  Cast.  Br." 
Respondeme,  sim? 

LVIII 

MEU  QUERIDO  T.  RIBR." 

Não  cheguei  a  sahir  de  Seide,  por  falta  de  força.  Depois 
de  amanhan  envio-te  a  carta  para  ElRei.  Não  vai  ja  por  que 
não  tinha  o  papel  da  tarifa.  Se  eu  podesse  ir  a  Lisboa... 
Não  imaginas  como  estou  velho  e  escavacado!  Estou  no  uso 
do  arsénico,  tomado  em  doses  grandes.  Parece-me  ser  um 
suicidio  encapotado  em  medicação  reconstituinte. 

Anna  Plácido  envia- te  mt.""^  affectos.  Parece-me  que  será 

brevemente  a  mãe  legitimada  do  meu,  do  nosso  querido  Jorge. 

Elle  cá  está  —  o  anjo  da  desgraça  —  na  contemplação  de 

um  mundo  interno  que  o  faz  rir.  Assusta-me  a  sua  inappe- 

tencia.  Alimenta-se  mal,  e  não  ouve  nem  intende  preceitos 

de  hygiene. 

Meu  adorado  am.",  adeus. 

Teu 
T.  C. 

^'^^^^  C.  Castello  Br 

5 


66 

LIX 

MEU  THOMAZ  RIBEIRO. 

A  tua  carta  de  hoje  poz  duas  lagrimas  nos  olhos  de  Anna 
Plácido.  Ha  27  annos  que  eu  a  vi  chorar  outras  lagrimas 
alegres  no  dia  em  q,  por  amor  de  mim,  perdia  fam.^,  fortuna 
e  consideração.  Quem  então  nos  viu  e  hoje  nos  vê,  ella  e  eu, 
dois  velhos  a  guardarem  um  filho  alienado !  Mais  dous  passos, 
mais  um  lance  de  olhos  ao  passado,  e  estamos  na  cova,  hirtos, 
8  dias,  mais  8  mezes  no  esphacello,  e  depois  os  romancistas 
do  século  XX  a  exhumarem-nos  e  a  mentir  por  nossa  conta, 
em  8."  portuguez,  dezenas  de  volumes.  Como  os  nossos  netos 
hão  de  entreter-se  comigo,  ó  Thomaz  Ribr.'M  Ama  o  teu 
velho 

C  C.  B. 

A  carta  a  S.  Mag.  serviria  ? 


LX 


MEU  QUERIDO  THOMAZ  RIBEIRO. 

Vou  sahir  moribundo  para  S.  Thyrso.  D'aqui  a  dias  la 
serei  enterrado.  Não  te  verei  mais,  meu  excellente  am.°,  nem 
poderei  escrever-te.  Nesta  carta  vae  a  minha  ultima  gota  de 
sangue.  Quando  eu  morrer,  aconselha  Anna  Plácido  sobre  o 
futuro  de  Jorge.  Não  cheguei  a  cazar  com  ella.  Parecia-me 
que  não  devia  em  art.°  de  morte  conceder  a  esta  senhora  o 
q  os  celibatários  concedem  ás  creadas  com  quem  cazam 
quando  vão  morrer.  Foi  m.^  amante  querida  27  annos.  Isso 
será  até  ao  fim.  Desejas  saber  de  que  morro  ?  Desgostos 
desgraças,  o  isolamt."  de  20  annos  e  um  trabalho  sem  re- 
pouso. Não  fiz  caso  do  deperecimt."  dos  meus  nervos,  nem 


67 


da  extrema  debilid.''  a  q  cheguei.  Nestes  2  annos  finaes  deu- 
se  um  phrenesi  nevrotico  que  me  fez  andar  n'uma  vertigem 
incessante.  Afinal,  um  medico,  imagina  que  poderá  salvar-me 
levando-me  p.""  o  seu  lado.  Vou  p.""  dar  alguns  dias  de  espe- 
rança a  esta  pobre  senhora;  mas  sei  que  morro  e  morro  den- 
tro de  8  dias.  Ad.^  Thomaz  Ribeiro.  Guarda  no  teu  coração 
a  lembrança  de  um  am.°  a  q.™  tu  quizeste  ainda  levantar  a 
alma  qd.''  o  corpo  ja  não  podia  com  ella. 

Camillo  Casf.  Brr 

Seiõe  19  òe  Julho  1885. 

LXI 

MEU  QUERIDO  AMIGO. 

Lembras- te  de  mim.  Bem  o  vejo  nas  referencias  das  «Re- 
publicas». 

Estive  16  dias  em  St.°  Thyrso.  Senti  alguma  melhora  em 
parte  dos  meus  padecimt."  Cheguei  a  poder  estar  quieto,  a 
sentar- me  desfalecido  e  permanecer  n'essa  quietação  algumas 
horas.  Alguns  dias  comi  com  grande  vontade;  mas  o  lavor  da 
digestão  amargurava-me  o  prazer  da  gula.  Afinal,  qd.''  vi  que 
as  vantagens  dos  primeiros  dias  eram  insidiosas,  e  que  tudo 
isto  voltava  á  desgraça  de  um  soffrimt,"  atroz  q  a  medicina, 
rica  em  nomenclatura,  chama  neuropathia,  regressei  a  Seide 
onde  estou  desde  hontem  padecendo  como  no  dia  em  que 
d'aqui  sahi.  A  medicina  não  pode  nada:  manda-me  distrahir. 
Distrahir  me  eu!  que  paradoxo!  Aconselham-me  talvez  men- 
talmení.-^  um  namoro;  convirme-hia  por  ventura  alistar-me 
no  sport;  rodear- me  de  gommeux  ricos  de  anecdotas  hila- 
riantes... A  m."  única  distracção  seria  o  trabalho;  mas  eu 
não  posso  escrever  e  menos  ainda  pensar.  Cravo  as  mãos  na 
fronte  a  ver  se  suffoco  as  ideas  tristes ;  por  que  um"  pensa- 


68 


mt.°  amargo  repercute-se-me  logo  no  fogo  do  ventre  e  nos 
espasmos  da  garganta.  Isto  é  mortalmt.*^  horrível,  meu  am." 
Não  posso  mais. 

Teu  do  c. 

C.  Castello  Br° 
Seiôe 

6/8/85 

LXH 

MEU  THOMAZ  RIBEIRO. 

A  carta  estampada  nas  «Republicas»  pode  indispor-me 
com  os  fornecedores  da  herva  do  Minho  —  os  vigários.  Tem 
cautella  com  o  meu  corpo  em  qt.°  a  alma  anda  por  aqui  á 
cata  da  sua  metempsycose. 

Na  próxima  5.*  feira  vamos  para  a  Povoa  de  Varzim.  Os 
médicos  promettem-me  á  beira-mar,  pelo  menos...  mais 
pescadas. 

Se  eu  viver  em  novembro,  heide  ver  se  posso  ser  appre- 
sentado  por  ti  á  sciencia  ou  á  caridade  de  algum  medico  de 
Lx.'.  O  q  eu  queria,  meu  querido  am,°,  era  q  me  dessem  a 
vista  que  eu  tinha  ha  4  mezes,  para  poder  trabalhar  até  mor- 
rer. Não  me  podia  ser  inflingida  maior  tortura  q  isto  de  não 
poder  escrever  sem  grande  mortificação. 

De  resto,  qt.°  á  vida,  eu  olho  serenamente  para  o  desen- 
lace fatal.  Todo  homem,  baldeado  de  miséria  em  miséria, 
tem  obrigação  de  aceitar  providencialrat.*-'  a  morte,  quando 
um  dos  queridos  da  sorte  como  o  Snr.  D.  Fernando  a  en- 
cara com  tão  bizarro  desprezo,  entretendo-se  com  as  coisas 
q  lhe  fizeram  amável  a  vida. 

Como  tudo  isto  é  triste,  Thomaz  Ribeiro ! 

Abraço-te  e  aos  teus  filhos. 

Teu  mt."  devedor 
Cdmillo. 


69 


LXIIl 

MEU  PRESADO  TriOMAZ  RIBEIRO- 

Tenho  experimentado  algumas  melhoras  na  Povoa  de 
Varzim :  apenas  me  faltam  a  vista  e  as  pernas.  Promettem- 
me  os  médicos  que  tudo  isto  me  hade  vir  do  oceano;  por 
em  quanto,  Neptuno  apenas  me  tem  fornecido  algumas  tainhas. 
Resolvi  esperar  por  todo  este  inverno  as  pernas  e  os  olhos. 
Por  aqui  ficarei  perto  do  cemyterio  onde  está  sepultado  o 
meu  Manoel  —  aquelle  formoso  rapaz  que  ha  17  annos  cor- 
ria comtigo  pelas  florestas  de  Seide,  e  que  veio  aqui  morrer 
d'uma  febre  cerebral  em  1877. 

Lembra-te  do  teu 

Povoa  C  Castello  Br.'* 

22/9/85 

LXIV 

MEU  T.  RIBEIRO. 

O  que  tu  ahi  fizeste  meu  querido  am.° !  que  titulo  eu  ja 
possuia  tão  grande  na  tua  amizade.  Beijo- te  no  rosto. 
Volto  amanhan  p.*  Seide  mais  doente  e  desanimado. 

Teu 

C.  Castello  Br: 

24  Òe  7."  85. 


•  70* 

LXV 

MEU  CARO  T.  RIBEIRO. 

R.*"'  as  coisas  Académicas  —  Agradecerei  a  D.  ].^  Asen- 
cio  a  honraria.  Espero  com  anciedade  o  Othelo  do  Sr.  D. 
Luiz.  E'  mais  fácil  ser  EUe  um  Shakespeare  do  q  eu  um 
Sancto. 

O  octogenário  Donnas  Botto,  q  tu  collocaste  em  Aveiro, 
pede-me  que  te  supplique  que  o  não  transfiram  no  fim  do 
Iriennio.  E'  possivel?  Deixem-no  ali  morrer  que  não  tardará. 

Teu  do  c. 

C  Cast.  Brr 
LXVI 

MEU  QUERIDO  THOMAZ  RIBEIRO. 

Decerto  dirias  a  ElRei  quanto  eu  apreciaria  a  fineza  de 
Sua  Magestade  enviando-me  este  livro  que  vou  immediatamt.^ 
ler,  e  que  d'aqui  a  trez  horas  estará  lido.  Eu  te  direi  a  im- 
pressão que  me  deixa.  Provavelmt.^  deve  ser  a  que  me  deixou 
a  leitura  do  original,  desde  que  o  traductor  escreve :  Fiz  uma 
traducção  quase  litteral.  Os  livros  de  Shakespeare,  adulte- 
rados ou  paraphraseados,  são  como  os  velhos  castellos  pho- 
tographados  e  depois  coloridos  para  lhe  dar  aos  musgos  o 
verde  do  espinafre,  como  dizem  os  francezes. 

Quem  me  dera  alguma  saúde  para  ser  o  portador  de  duas 
palavras  humilissimas  de  agradecimt."  a  ElRei  e  a  ti. . . 

Teu  do  c. 

T.  C. 

22/1/86  C.  Cast."  Brr 


71 


LXVII 
MEU  PRESADO  THOMAZ  RIBEIRO. 

Apezar  da  m.'*  incapacidade  para  apreciaçoens  tragicolo- 
gicas,  heide  escrever  à  cerca  da  fidelíssima  versão  do  Othello, 
em  um  dos  próximos  n."'  dos  «Seroens  de  S.  Miguel  de 
Seide».  Tencioho  tirar  30  exemplares  n'outro  papel,  formato 
e  typo.  Um  exemplar  para  Sua  Magestade,  outro  p.^  ti,  o 
terceiro  para  mim,  e  os  resíantes  enviar  t'os-ei  para  os  dares 
a  27  am.°^  que  saibam  ler;  duvido,  porém,  q  tenhas  27  ami- 
gos que  saibam  ler. 

Apesar  de  mt.°  doente,  escrevo,  e  escrevo-íe  sempre. 

Vi  hoje  um  retrato  meu  ahi  publicado  na  «Illustração  por- 
tugueza».  Não  acredites.  Eu  não  estou  tão  esphacellado,  gra- 
ças aos  céus!  O  meu  Jorge,  que  é  doudo,  vendo  o  retrato 
disse:  «E*  a  copia  d'um  busto  antigo  achado  n'umas  ruinas.» 
Momento  lúcido.  Hontem,  ás  mesmas  horas,  de  faca  em  punho 
ameaçava  matar  a  mãe.  Estamos  em  cima  d'um  vulcão.  Os 
médicos  dizem  q  o  recolha  ao  hospital,  e  nós  preferimos 
morrer  ás  mãos  d'elle.  Agora  ouço  a  mãe  a  tocar  no  piano 
não  sei  q  mt.°  triste,  e  elle  acompanha-a  com  a  flauta. 

Como  isto  é  triste  ! 

Teu  do  c. 

Camillo  Cast:'  Br.'" 

27  1/86 

LXVIII 

MEU  THOMAZ  RIBEIRO. 

Obrigado  pelos  teus  parabéns. . . 

Envio-te  3  folhas  impressas  do  Esboço;  mas  peço-te  5 


72 


não  mandes  transcrever  nada  sem  q  o  volume  esteja  completo 
em  teu  poder.  Parece-me  q  t'o  enviarei  no  fim  da  semana. 

Teu 

CàmilloC.Bir 

O  meu  editor  mandou -me  o  memorial  incluso.  Se  Sua 
Magestade  quizesse  perdoar  á  pobre  preza. .  . 

Eu  lembrei  ao  Costa  Santos  que  ElRei  obtemperava  ás 
propostas  do  Conselho  de  Estado.  Elle  redarguiu  com  a  carta 
inclusa. 

LXIX 

MEU  QUERIDO  AMIGO. 

]á  não  é  a  primeira  carta  que  se  transvia.  Pode  ser  q 
outras,  de  diversa  procedência,  se  hajam  perdido;  mas  não 
dou  pela  falta  por  que  as  tuas  é  q  eu  espero  com  interesse. 

Tem-se  demorado  a  public.**"'  do  Hvrinho  à  cerca  do 
Othello,  por  que  o  editor  o  poz  em  má  typographia.  Da  l.* 
folha  vi  5  provas !  A  mim,  por  causa  da  nevrose  dos  olhos, 
é-me  mt."  mais  penoso  ver  uma  prova  do  q  escrever  o  origi- 
nal. Espero,  porém,  q  por  estes  10  ou  12  dias  ahi  tenhas  a 
desvaliosa  coisa.  Resolvi  fazer  só  uma  edição,  e  não  repu- 
blicar o  trabalho  nos  Seroens.  Exemplares  distinctos,  apenas 
mandei  tirar  um  p.*  elrei. 

Ha  mt.°  que  eu  recommendei  ao  editor  q  te  enviasse  os 
Seroens.  Mandei- te  hontem  o  4.**  tomo.  Não  tenho  os  outros. 
N'esse  verás  a  excentricid.®  com  que  me  insurjo  contra  a  es- 
cola do  meu  collega  e  visinho  visconde  de  S.  Bento.  Se  elle 
se  zangar  comigo,  e  por  esse  meio  viermos  a  descobrir  ver- 
dades, passam  os  viscondes  a  substituir  as  comadres,  no  ve- 
lho anexim. 

D  ou- te  uma  noticia  desagradável.  Desconfio  de  amoUeci- 


73 


mento  cerebral.  Estou  sempre  a  dormitar,  e  difficilmt.^  me 
equilibro.  Não  como,  não  tenho  um  momento  de  bem-estar 
da  alma  ou  do  corpo.  Logo  que  o  tempo  o  permitta,  vou 
sahir  d'aqui;  talvez  p.^  o  Bom  Jesus,  onde  por  em  quanto 
não  está  ninguém.  As  caras  humanas  fazem-me  horror. 

O  Jorge  ja  não  toca.  Entreteve-se  meia  dúzia  de  dias  a 
tocar  órgão.  Tocava  deliciosas  tristezas  ad  libitum.  Agora, 
se  lhe  pedem  q  toque,  incolerisa-se.  Temos  lhe  m.'"  medo,  nos 
ataques  de  íuria. 

O  Nuno  ja  deve  estar  no  Rio.  Hoje  li,  com  sobresalto,  q 
os  casos  de  febre- amarella  são  la  mt."'.  Encarreguei- o  a  um 
medico  meu  am.";  é  natural  que  elle  o  mande  para  S.  Paulo. 

E,  se  elle  morrer  ?  Estarei  ainda  reservado  para  assistir  á 
morte  dos  dois  e  da  mãe?  Não  o  espero.  Esta  herança  da 
demência...  é  uma  fatalid.^.  Ambos  os  meus  filhos  tiveram 
quinhão  atávico  da  do  avô.  Sabes  que  meu  pae  morreu  doudo, 
e  m.*  avó,  e  duas  m."*  tias,  e  meu  tio  SimJo,  o  do  Amor  de 
perdição,  doudo  era  também.  Esta  herança  vem-me  dos  Cas- 
tello  Brancos  do  Guardão,  d'onde  era  m.^  avó.  D'esta  raça 
existem  ahi  os  filhos  do  Bruschy  cazado  em  2.*'  núpcias  com 
D.  M.'  da  Luz  de  Sousa  Castello  Br.'^".  Serão  doudos  tam- 
bém ?  Pode  ser  q  não,  iniectados  pelo  sangue  fortemt.^  bur- 
guez  do  pai. 

Que  massada  ! 

Teu 

C  Cast.'  Br 
Dom." 

LXX 

MEU  AM."  QUERIDO. 

Mando  te  hoje  os  Volcões  de  lama.  Ja  vi  16  pag.,  em 
prova,  da  apreciação  do  Othello.  O  trabalho  está  concluído. 
Dará  80  paginas. 


74 


Isso  da  politica  está  o  diabo !  Volcoens  de  lama  por  toda 
a  parte.  Meu  sobr."  José,  da  Samardan,  faria  bem  se  com 
uma  queixada  do  Elvino  desqueixolasse  os  outros  philisteus. 

Teu  do  c. 

C  CasC  Bvr 

LXXI 

MEU  QUERIDO  THOMAZ  RIBEIRO. 

Enviei-te  hontem  2  ex.  do  Esboço.  Registei-os  para  ha- 
ver mais  probabilid.*^  na  entrega. 

El- Rei  decerto  acha  disforme  a  cabeça  d'esse  trabalho 
para  corpo  tão  pequeno.  Também  eu.  O  assumpto  era  para 
mais  comprido  fôlego;  mas  a  m."*  respiração  é  já  mt.°  curta. 
Falta- me  a  sa".de  e  o  contentamt."  que  se  requer  para  o  tra- 
balho. Falta- me  também  um  pecúlio  de  conhecimt."^  especiaes 
e  de  expositores  que  não  tenho,  nem  consultaria,  se  os  tivesse. 

Agora  trato  de  sahir  d'aqui  para  uma  serra  do  Minho. 
Mandei  comprar  um  jumento  ao  campo  de  Coimbra,  e,  logo 
q  elle  chegue,  partimos  os  dous  por  esses  montados  fora. 
Sinto-me  bom  para  Sancho  do  Quichote  que  fui  ha  30  annos. 
S.  Magestade  decerto  te  diz  que  o  meu  livrinho  não  está  mt.' 
máo;  porém,  tu,  vais  ter  a  benevolência  am.^  de  me  dizer  o 
q  EIRei  pensa,  e  não  diz,  e  o  que  tu  pensas  e  decerto  dirás. 

Meu  filho  Nuno  ja  ahi  está  no  Lazareto.  Espero-o  d'aqui 
a  7  dias.  Teve  o  bom  senso  de  se  demorar  5  dias  no  Rio  de 
]anr.°  O  imperador  mandou-o  chamar. 

Adeus  meu  bom  amigo 

Teu  do  c. 
3  horas  òa  manhan 

—  6.»  fr.» 

Ca  mil  lo. 


J75 

LXXII 

MEU  QUERIDO  AM." 

Amanhan  vamos  p.''  S.  Thyrso,  onde  mora  o  medico  que 
me  trata  e  promette  salvar-me.  Foi  teu  collega  na  camará  — 
chama-se  Soares  Ferr.^.  Este  m.'"°  me  pediu  hoje,  a  respt."  do 
juiz  Andr.^  o  q  verás  dessa  carta.  Eu  não  a  pude  ler,  e  tu 
não  terás  m.^  coragem  do  q  eu.  Parece  q  pede  licença  p.'' 
tomar  posse  nos  Açores  p.'  procuração,  e  depois  aposentar- 
se.  Cita  a  m.'"''  concessão  feita  a  um  falecido  Prazeres  Soares. 
Este  Prazeres  morreu  doudo;  o  Andr.^  está  perto  d'isso.  A 
justiça  folgaria  com  a  aposentadoria  de  ambos. 

Se  isto  for  custoso  ou  inexequível  não  te  incommodes, 
nem  queiras  que  o  Sr.  Barjona  me  chame  importuno. 

Ad."  m.eu  filho. 

Teu  do  c. 

C.  Cast  Br.' 

4."  fr.« 

LXXIII 

MEU  QUERIDO  T.  RIBEIRO. 

Não  sei  se  posso  dar- te  parabéns  pelo  restabelecimt."  de 
teu  filho.  Parece-me  que  a  imprensa  já  teria  dado  a  noticia, 
se  fosse  má. 

Venho  pedir-te  com  urgência  o  favor  de  pedires  ao  Sr. 
ministro  da  justiça  o  segt.^  O  juiz  de  Direito  de  S.  Thyrso, 
].e  M.'*  de  Andr.^  é  o  primeiro  a  passar  p."*  a  relação  dos 
Açores;  mas  elle  não  pode  ir,  por  que  está  mt.°  doente,  e 
pede  o  q  varias  vezes  se  pede  ao  snr.  ministro  —  q  promova 
o  2.°.  Ora,  da-se  o  caso  do  2."  ter  um  tão  forte  desejo  de  ir, 


76 


que  ja  tentou  validar  no  supremo  tribunal  o  seu  direito  de 
primasia  pelo  facto  de  ter  sido  despachado  5  dias  antes,  sem 
com  isso  derogar  a  antiguid.^  do  outro.  Entendes  bem  o  que 
eu  encarecidamente  te  pesso  e  não  te  descuides  por  que  o 
despacho  pode  apparecer  mt.°  breve.  O  pobre  valetudinário 
tem  a  certeza  de  não  poder  fazer  uma  viagem. 

Quando  poderes  dize-me  que  ainda  d'esta  vez  me  não 
faltou  a  tua  dedicação. 

Teu  mt.°  da  alma 

Camillo  Cast'  Br." 

4-3-86. 

LXXIV 

(Confiòencial) 

MEU  PRESADO  THOMAZ  RIBEIRO. 

Estou  no  Porto  em  tratamento  dos  olhos  e  por  isso  não 
posso  escrever- te.  E'  Anna  Plácido  quem  te  escreve,  e  por 
tanto  entra  na  confidencia. 

Tu  devias  ter  promovido  que  se  desse  alguma  coisa  fan- 
tástica áquelle  edictor  Eduardo  da  Costa  Santos,  que  appre- 
sentaste  a  El-rei.  Este  homem  que  era  fanático  pela  monar- 
chia  e  que  tem  grande  influencia  sobre  os  bombeiros  de  que 
é  commandante  —  e  portanto  trunfo  eleitoral  —  vim  encon- 
Iral-o  muito  offendido  por  multiplicadas  injustiças  que  o  seu 
partido,  o  regenerador,  lhe  tem  feito  a  propósito  de  coisas  lá 
da  bomba.  Alem  d'isso  encontro-o  com  tendências  a  repubH- 
canar-se  e  mais  a  sua  íroupe.  Parece-me,  ou  tenho  a  certeza 
que  o  meio  mais  prompto  de  o  repor  no  seu  antigo  pé  poli- 
tico, é  conseguires  que  se  lhe  dê  o  habito  de  S.  Thiago, 
coisa  que  facilmente  tem  conseguido  outros  sem  algum  me- 
recimt.°,  nem  manifestação  publica  de  affecto  ao  Rei  como 
elle  manifestou  quando  os  republicanos  projectaram  fazer 
troça  á  entrada  d'El  rei  no  Porto.  Espero  que  dentro  de  qua- 


77 


tro  a  cinco  dias  terás  de  qualquer  modo  feito  saber  a  mim 
para  eu  lh'o  communicar  a  elle,  que  sua  magestade  lhe  dá  o 
habito  de  S.  Thiago. 

Diz-me  agora  o  meu  secretario,  que  o  Darjona  não  fa- 
zendo caso  do  teu  pedido  mandou  o  pobre  Juiz  de  St."  Thirso 
para  os  Açores.  Cortaram-lhe  a  carreira  por  que  o  homem 
está  muito  doente  e  decerto  não  vai.  Se  foi  a  lei  que  obrigou 
o  ministro,  dura  lex. 

Adeus. 

Teu  do  coração 
C.  Cast.''  Brr 

LXXV 

MEU  PRESADO  THOMAZ  RIBEIRO. 

Continuo  impossibilitado  de  escrever. 

Documentaste  excessivam."'  a  tua  probidade.  Não  era 
preciso  tanto  nem  coisa  alguma.  Bastava  dizeres  que  a  não 
promoção  do  juiz  era  illegal.  Conservo  as  duas  cartas  para 
mostrar  ao  teu  ex  collega  Soares  Ferreira,  medico  de  St.° 
Tirso  que  foi  quem  me  pediu  e  me  disse  ha  pouco  que  o  tal 
juiz  estava  a  endoidecer.  Em  tal  caso  a  carreira  do  homem 
de  qualquer  dos  modos  estava  cortada. 

Abraça-te  mt.*  agradecido  o  teu  impertinente  amigo. 

P.  S. 

Não  se  esqueça  da  sua  velha  amiga. 

Camillo  Castello  Branco. 


78 

LXXVI 

MEU  QUERIDO  AMIGO. 

Eu  e  meu  filho  mt."  gratos  á  consideração  que  nos  deste. 
Mais  uma  vez  me  disseste  que  conseguirias  dar-se  á  ciiapel- 
laria  Victor  &  Cout.°  do  Porto  (a  universal)  as  armas  de  for- 
necedora da  casa  real.  Veio  elle  aqui  hoje  pedir-me  que  so- 
licitasse essa  graça.  Se  não  é  mt.°  custoso,  faze-me  esse 
favor.  A  m."  critica  ao  livro  de  S.  M.  desagradou  p.'  emq." 
somt.e  ao  O.  Martins,  da  Provinda.  Não  sei  o  q  elle  disse, 
nem  me  souberam  dizer  bem  o  q  é.  Se  a  questão  for  litte- 
raria,  acceito  o  debate  satisfatoriamente.  Vou  p.^  o  Bom  Jesus 
fazer  comp.''  ao  nosso  Peito  de  Carvalho  que  em  carta  do 
dia  3  me  diz  ir  para  lá  doente.  Pobre  e  querido  amigo,  se 
tem  o  (]  um  medico  me  disse,  e  elle  chama  asthma !  Vou 
ver  se  o  posso  trazer  p.""  Seide.  Os  ares  d'aqui  são  menos 
ásperos  q  os  da  serra.  Reapparecem-me  todos  os  padecimt."' 
do  anno  passado  por  esta  fatal  época.  A  primavera  para  mim 
é  toda  de  mancenilhas.  • 

Do  teu  mt."  grato 
e  mt,"  amigo 

Camillo. 

LXXVII 

MEU  QUERIDO  AMIGO. 

Receberias  uma  carta  em  que  te  pedi  licença  para  a  Cha- 
pellaria  universal  de  Victor  &  Cout."  poder  pôr  armas  no  es- 
tabelecimt°.  ?  Sei  q  algumas  cartas  m."*^  são  descaminhadas  e 
receio  que  a   tal  em  q  eu  tinha  empenho  se  perdesse.  Dá 


79 


expediente  a  isto,  se  poderes.  Estive  com  o  Peito  no  Bom 
Jesus.  Não  o  achei  mal.  Esperava-o  aqui  amanhan ;  mas  com 
este  péssimo  tempo  vou  dizer-lhe  q  não  venha.  Seide,  qd.° 
chove,  é  detestável. 

A  «Província»  achou-me  obscurantista  na  maneira  de  ava- 
liar o  Fausto  de  Goethe ;  mas  qt."  á  versão  de  el-rei  elogiou-a 
e  deu-me  razão.  Antes  assim.  Eu,  realmt.''  desconfio  da  m.' 
capacid.^  intellectual  qd."  duvido  e  destoo  dos  panegyristas  de 
Goethe.  Samardan  no  caso. 

Affectos  de  Anna  Plácido. 

Não  nos  esqueças  que  te  somos  tão  gratos  qt.°  amigos. 

Teu  do  c. 
Camillo. 

LXXVIII 

MEU  AM." 

Desconfiando  que  as  m.^*  cartas  não  te  chegam  á  mão, 
registo  esta. 

Pedi-te  em  uma  que  solicitasses  d'ElRei  o  perdão  de  uma 
preza.  Recebeste-a?  Em  duas,  pedia-te  que  obtivesses  as 
armas  p.""  os  chapelleiros  do  Porto  que  enviaram  o  chapeo  ao 
Sr.  D.  Luiz.  Recebeste- as? 

Teu  do  c. 

Camillo. 
LXXIX 

MEU  QUERIDO  THOMAZ  RIBEIRO. 

A  preza  foi  indultada  e  solta.  O  dever  d'ella  era  ir  beijar- 
te  os  pés,  e  o  meu  era  ir  beijar  a  mão  de  ElRei.  Mas  eu 
estou  peor  do  que  ella  estava,  por  q  mal  posso  mover-me 
n'este  cárcere  de  q  espero  o  indulto  da  morte.  Ha  dias  que 
se  me  figura  tudo  isto  acabado.  Meu  filho  Jorge  está  soí- 


80 


frendo  mt."  —  umas  agonias  q  elle  diz  serem  mortaes.  O  in- 
feliz q  tracta  mal  a  pobre  mãe,  qd.°  se  vê  mais  affiicto,  chama 
por  ella,  e  pede-lhe  que  lhe  apalpe  o  suor  frio  da  testa.  Com 
que  prazer  heide  eu  sentir  também  o  meu  suor  frio!. . . 

Escrevi-te  p.*  Lisboa  sobre  um  negocio  de  livros.  A  boas 
horas! 

Quando  fallares  com  S.  Magestade  dizelhe  que  eu  adoro 
a  sua  benevolência  para  comigo.  Adeus,  meu  bom  Thomaz 
Ribeiro. 

Teu 

27/4/86  Camillo. 

LXXX 

MEU  PRESADO  THOMAZ  RIBEIRO. 

Eu  sentia  aquecer-se-me  o  pudor  litterario  quando  em 
obras  estrangeiras  lia  citaçoens  mt."  encomiásticas  da  Histcire 
du  dix-neuvième  siècle  de  Gervinus,  e  não  conhecia  Ger- 
vinus  nem  quem  o  tivesse  no  Porto.  Como  o  não  encontrasse 
nos  livreiros  portuguezes,  encommendei-o  p."  Pariz.  Decorre- 
ram seis  mezes  sem  a  obra  rhegar.  Desconfiei  que  o  livreiro 
se  esquecesse,  e  encarreguei  da  encommenda  outro  livreiro 
de  Lx.^  N'isto  recebo  dous  exemplares !  e,  consultando  a  m.* 
consciência  e  indiscrição,  entendo  que  me  era  obrigatório 
pagal-os  ambos.  Um  delles,  23  vol.  8"  gr.  ricamt.®  encaderna- 
do, como  verás  da  nota  inclusa,  custoume  37$950  rs.  Haverá 
ahi  algum  estudioso  que  o  não  tenha  e  queira  comprar  ?  Ou 
as  bibliothecas  dos  ministérios  quereriam  trocar  por  esta  obra 
algumas  d'essas  que  la  tem  impressas  á  sua  custa  ? 

Sem  figurares,  como  não  te  convém,  directamt.*^,  poderias 
por  outra  pessoa  obter  a  troca,  a  não  haver  quem  queira 
37$950  rs.  de  sciencia  histórica. 

Tenho  recebido  as  tuas  cartas. 

Teu  do  c. 

Camillo. 


81 


LXXXI 
MEU  PRESADO  THOMAZ  RIBEIRO. 

Pròvavelmt.'  estás  em  Lisboa. 

Enviei,  segundo  a  tua  indicação,  immediatamt.^  o  Gevvi- 
nus,  haverá  15  dias. 

O  destinatário  não  accusou  a  recepção ;  mas  isso  nada  faz 
ao  caso.  N'esta  conjunctura  fesMval,  toda  a  gente  é  Pretor,  e 
coisas  da  espécie  da  m."*  são  todas  minimas.  Por  aqui  vou  ar- 
rastando este  frangalho  da  vida. 

Enviei- te  o  VI  tomo  dos  Seroens  p.*  Parada  de  Gonta. 
Puz  ponto  em  lettras.  Fallencia  completa. 

Também  te  pedi  que  agradecesses  por  mim  também  a  S, 
Magestade  o  perdão  da  preza. 

Teu  mt.°  grato 

Camillo. 
LKXXII 

MEU  AMIGO  MT.»  QUERIDO. 

O  sr.  Celestino  talvez  te  dissesse  o  contheudo  da  m.*  ultima 
carta.  Eu  antes  queria  livros  que  dinheiro  -  livros  que  pro- 
vavelmt.*  estão  a  apodrecer  nas  cryptas  dos  ministérios. 

Vou  retirar-me  d'aqui;  mas  não  sei  p.*  onde.  Estou  sof- 
frendo  mt.''  de  tudo,  sem  excepção  dos  olhos.  Está  tudo  isto 
n'um  descalabro  a  q  a  sciencia  chama  cachexia  senil.  Custa- 
me  m.'°  sahir  sosinho  de  caza.  D.  Anna  p/  causa  do  meu 
Jorge  não  pode  acompanhar-me,  e  eu  não  tenho  mais  ninguém 
O  Jorge  tem  agora  a  terrivel  vesânia  chamada  dypsomania 
—  uma  sede  insaciável  de  vinho,  e  não  quer  comer.  Depois 


sâ 


a  embriaguez  sobre  a  demência  é  horrorosa.  Aqui  tens  a  vida, 
e  em  mim  a  exemplar  coragem  de  a  conservar. 

Deseja- te  mil  venturas  o  teu 
Camillo. 

LXXXIII 

MEU  QUERIDO  AMIGO. 

O  chapelleiro  pede  de  novo  a  coisa.  Diz-me  q  te  escre- 
vera ;  mas  não  obtivera  resposta.  Parece,  pois,  ser  difficil  a 
concessão.  Talvez  contra-mina  aberta  por  um  rival  no  officio 
e  nas  armas. 

Do  ministério  do  reino  nada  me  deram  em»  tro:a  do  «Ger- 
vinus».  Pouco  importa,  por  q  eu  ja  não  posso  ler.  Daqui  a 
cego  e  morto  vai  pouco. 

Deseja- te  mil  venturas  o  teu  velho 

Camillo. 

LXXXIV 

MEU  QUERIDO  AM-' 

O  Jorge  está  furioso.  Espanca  os  criados  e  os  transeun- 
tes. Vou  tiral-o  d'aqui,  fazêl-o  esquecer  as  pessoas  que  odeia. 
Vou  para  a  Povoa  de  Varzim  4.*  fr.'*  Dizem-me  que  o  en- 
cerre em  um  hospital.  Não  posso,  ainda  que  eu  venha  a  ser 
a  victima  de  um  dos  seus  accessos.  Isto  é  q  é  desgraça  sem 
válvula  de  respiração.  Felizmt.''  appareceu-tne  hoje  o  Nuno 
q  eu  não  via  ha  7  mezes.  Foi  um  soccorro  do  ceo  nesta  affli- 
cção  de  dous  velhos,  sem  m."  ninguém. 

Teu  do  c. 
C.  Cast'  Brr 

3.»  fr.» 


83 

LXXXV 

MEU  QUERIDO  T.  RIBR.» 

Tenho  saudades  das  tuas  cartas.  Figura-se-me  que  nos 
separam  as  fronteiras  da  eternidade. 

Sabes  que  o  meu  Jorge  está  no  hospital  dos  alienados  ? 
Foi  indispensável  a  reclusão  por  evitar-lhe  os  Ímpetos  de  fú- 
ria. Chegou  a  bater  na  mãe. 

O  primeiro  mez,  no  hospital,  dava  esperanças,  não  de  cura, 
mas  de  reducção  a  um  estado  pacifico.  Depois  tornaram  as 
agitaçoens,  e  as  esperanças  lá  vão.  Considero-o  morto,  per- 
dido p.^  a  fam.*,  q  importa  o  mesmo.  Quando  parecia  soce- 
gado,  e  o  Dr.  Senna  me  dizia  que  era  possível  regressar  a 
caza,  mandei  lá  o  Nuno  como  pedra  de  toque  p.'"'  avaliar  o 
estado  mental  delle  a  respt."  da  fam.*.  Assim  q  o  viu  enfu- 
receu-se.  Não  ha  nada  a  esperar.  D'ali  a  passagem  para  a 
demência  é  a  derivação  lógica  da  doença.  Imagina,  pois,  a  tris- 
teza d'esta  caza,  e  a  deplorável  velhice  dos  pais  d'aquelle  in- 
feliz, menos  infeliz  do  q  nós! 

A  m.*  anemia  progride.  ]á  me  não  sustento  em  pé,  e  es- 
crevo-te  com  mt,*  difficuldade  á  luz  de  14  castiçaes. 
Abraça-te  o  velho  am.'' 

Ctímillo. 

LXXXVl 

MEU  CARO  T.  RIBEIRO. 

O  padecimt."  dos  olhos  não  te  deve  incutir  receio  de  ce- 
gueira. Isso  é  tudo  funccionai,  como  dizem  os  peritos.  Não 
ha  lezoens.  Tenho  soffrido  essas  perversoens  nervosas  deze- 
nas de  vezes.  Agora  já  não  me  afligem.  Tens  alguma  confiança 
na  dosimetria  do  Burgraeve  ? 


Õ4 


Parece-me  que  se  tomares  cicutina,  dois  grânulos  de  manhan 
e  dous  ao  deitar,  fazes  desapparecer  a  diplopia. 

Ha  mt/  gente  que  vê  os  objectos  duplicados  logo  q  se 
demore  a  fital-os.  Isso  depende  da  fraqueza  de  um  musculo 
que,  reiaxandc-se,  faz  o  estrabismo  momentâneo.  As  scintil- 
laçoens  de  q  te  queixas  não  assustam  nada  quando  se  conti- 
nuam a  ver  os  objectos  nitidam."'  ao  longe.  Toma  a  cicuta 
Faz-te  um  pouco  Sócrates  em  Carnaxide. 

Queria  escrever- te  mt.^  mas  não  posso.  Ao  perto  custa- me 
a  distinguir  os  objectos,  e  nenhuns  vidros  me  auxiliam.  E'  a 
cegueira  senil. 

Lembra-me  á  tua  família  com  mt.^  gratidão. 

Anna  Plácido  está  mt,*'  anemica,  e  não  vai  longe.  O  Jorge, 
escrevendo  ao  Nuno  antes  de  hontem  dizia-lhe  q  «a  sua  única 
esperança  era  evadir-se  do  carcere>. 

Meu  pobre  filho ! 

Teu  do  c. 
Camillo. 


LXXXVII 
MEU  PRESADO  THOMAZ  RIBEIRO. 

Encarreguei  o  chapelleiro  de  enviar-te  a  nota  da  preten- 
são. ]a  a  deves  ter  recebido.  Perdoa-me  a  p.*"  que  tenho 
nessa  impertinência.  Caros  nos  ficaram  os  chapeos  do  nosso 
nome.  Não  ha  liberalid.'''  que  não  levem  agua. . .  no  chapeo. 
Ha  tempos  recebi  a  tal  carta,  que  abriste,  do  Sr.  Celestino.  Di- 
sia  que  te  entregava  os  38$  rs.  do  Gervinus. 

Eu  não  tenciono  fallar  mais  em  fal  coisa,  e  bem  me  pesa 
de  te  haver  occupado.  ]a  estive  para  destinar  a  um  azilo  os 
taes  dinheiros  ;  mas  receei  melindrar  alg."'  Por  aqui,  meu  Tho- 
maz  Ribeiro,  as  libras  não  se  medem  ás  razas;  mas  quando 


85 


são  tão  poucas  não  se  lhes  sente  a  falta.  Parece-me  q  o  go- 
verno está  em  circumstancias  mais  apuradas. 

Deus  o  remedeie. 

M.*°*  affectos  desta  tua  gente  mt.°  am.*  tua 

Teu 

C.  Cast."  Brr 

LXXXVIII 

MEU  PREZADO  TriOMAZ  RIBEIRO. 

A  Relação  do  Porto  decidiu  favoravelmt.e  a  questão  in- 
juriosa que  uns  livreiros  francezes  poseram  ao  meu  editor  e 
amigo  Eduardo  da  Costa  Santos.  Não  obstante,  a  Bohemia 
do  espirito  íicou  embargada,  por  que  os  livreiros  recorreram 
p.''  o  Supremo  Tribunal.  Sabes,  meu  am.",  quanto  são  moro- 
sas as  decisoens  naquella  instancia,  e  também  ás  vezes  incer- 
tas as  interpretaçoens  da  lei.  Não  é  crivei  que  o  legalissimo 
accordão  da  Relação  seja  contraditado  pelo  S-  Tribunal ;  mas 
a  Justiça,  como  é  cega,  dá  ás  vezes  quedas  desgraçadas. 
Suppondo  que  não  devemos  recear  a  confirmação,  quero  di- 
zer a  concessão  da  revista,  o  q  ha  mt.°  a  temer  é  as  delon- 
gas na  decisão.  E'  para  este  caso  que  eu  peço  encarecida- 
mente a  tua  protecção  ao  meu  editor  e  a  mim.  Elle  te  dirá 
quem  são  os  juizes  a  quem  o  processo  foi  distribuido,  e  tu 
darás  mais  uma  prova  da  tua  sempre  generosa  dedicação 
para  o  teu 

Camillo  Castello  Br."" 

29/12/86 

LXXXIX 

MEU  QUERIDO  THOMAZ  RIBEIRO 

Dia  de  reis,  10  da  noute 

Esteve  agora  ali  fora  a  Custodia  a  cantar  me  os  Reis, 


86 

Ahi  vai  uma  quadra  que  me  ficou: 

Viva  o  nobre  visconòe 
Que  inventou  a  leitura  ; 
Nem  no  ha  no  munõo  egual 
Que  liie  chegue  á  sua  altura. 

Somos  2,  segundo  Custodia.  Cadmo  que  inventou  o  alpha  - 
beto,  e  eu  que  inventei  a  leitura.  Fenicia  e  S.  Miguel  de  Seide. 

Mandei-lhe  dar  dez  tostoens  —  direitos  de  inventor  da  lei- 
tura. Perguntou  ao  creado  se  havia  noticias  tuas;  e,  logo  q. 
chegasses,  q  a  mandassem  chamar.  Parece  q  tenciona  pas- 
sar-íe  alvará  de  inventor  da  poesia.  Apressa-te  em  q.*^  ella 
tem  aberto  o  cofre  das  graças,  que  não  vá  outro  apanhar-lhe 
o  diploma. 

Teu  do  coração 

Camillo. 

KC 

MEU  QUERIDO  T.  RIBEIRO. 

Os  versos  que  te  remetto  estão  mt."  aleijados  ?  Se  estão, 
não  ha  orthopedia,  nem  a  tua,  que  os  endireite.  Se  por 
uma  casualidad.**  estivessem  escorreitos,  davafos  p.*  o  teu 
jornal,  se  é  que  tens  um  jornal,  mas  só  podem  ser  publicados 
sem  assignatura,  por  q  na  m.*  idade,  essas  tristezas  fazem 
rir  os  homens,  e  talvez  chorar  os  anjos. 

Adeus  meu  adorado  am." 

Teu  do  c. 

Camillo. 
T.  c. 

10/1/87 


87     

XCI 

MEU  QUERIDO  THOMAZ  R. 

Desaleijaste  alguns  dos  mancos.  Deus  te  conserve  illeso 
em  todas  as  tuas  metrificaçoens  tanto  corporaes  como  espiri- 
tuaes.  Amen.  O  teu  preíacio  faz  lembrar  o  penacho  do  gigante 
Qoliath  sobre  a  cabeça  de  um  pigmeu.  Bem  hajas. 

Se  souberes  que  o  S.  Tribunal  decidiu  a  questão  de  pro- 
pried.^  litteraria  a  favor  do  meu  editor,  envia-me  um  telegr- 
A  causa  já  está  na  mão  do  ultimo  juiz.  Esta  rapidez  tão  pouco 
vulgar  indica-me  que  a  promoveste  tu.  M.'°  agradecido. 

Teu 

C  Cast.'  Br." 

XCII 

MEU  QUERIDO  AMIGO. 

Dize-me  como  estás.  Não  sei  o  q  é  feito  de  ti  ha  mt." 
tempo.  Nem  a  Politica  me  dá  noticias  tuas !  Eu,  filho,  estou 
qUase  cego.  40  annos  de  trabalho  sem  repouso.  Ao  menos, 
estou  rico. 

Anna  Plácido  nunca  te  esquece. 

Teu  do  coração 

Camillo. 

XCIIÍ 

MEU  QUERIDO  THOMAZ  RI3EIR0. 

O  publicista  da  «Alvorada»  não  pediu  a  ninguém  collabo- 
ração  para  o  meu  ditoso  natalício.  Annunciou  que  aceitaria 


88 


com  prazer  o  q  lhe  enviassem.  Ora  tu  não  viste  annuncio  tal. 
No  tal  dia  funesto  dos  61  senti  a  falta  do  teu  cartão  ou  telegr. ; 
mas  senti  logo  o  prazer  da  vingança,  ante- gostando  a  tua  magua 
quando  te  accusasses  de  esquecim.'" .  O  que  eu  queria,  qd.°  te 
escrevi,  era  saber  q  não  estavas  doente.  Por  estes  3  dias,  vou 
para  a  Povoa  de  Varzim,  e  vou  quase  cego. 

Por  em  qt.°  é  ambliopia ;  d'aqui  a  pouco  será  amaurose- 
Depois,  é  inevitável  o  suicídio. 

Alegrou-me  o  desenlace  da  pendência  do  José  C.  Branco. 
Foi  mais  feliz  do  q  eu.  A  primeira  vez  q  me  bati  á  espada 
com  o  agigantado  Ricardo  Browne  fiquei  ferido  em  uma 
perna.  Depois  do  duello,  vi  que  ainda  me  ficavam  3  pernas 
illesas.  Meus  saudosos  26  annos ! . . . 

Adeus,  meu  filho. 

Teu 


Camillo  C.  Br. 


T.  c. 

18/Maio/87 


XCIV 

MEU  QUERIDO  THOMAZ  RIBEIRO. 

As  eleiçoens  de  deputado,  pelo  q  resp.'*  ao  concelho  de 
Fam.*"",  são  seguras  para  o  snr.  Lopo  Vaz,  O  Nuno  ligou-se 
ao  V.  Pindella  e  está  inteiram.'®  emancipado  dos  meus  con; 
selhos.  A  influencia  q  elle  exercs  não  vai  alem  de  30  votos. 
Sei  que  elle  está  captivo  dos  progressistas  por  que  lhe  livra- 
ram ou  promettem  livrar  2  recrutas.  A  politica  nas  aldeias  é 
isto.  Aqui  o  maior  açabarcador  de  votos  é  um  abbade  q  tu 
despachaste. 

Este  que  vale  300  eleitoras,  tem  sido  sempre  fiel  ao  teu 

nome.  Eu,  pela  m."*  p."" ,  nada  valho.  A  doença  tornou- me  tão 

obscuro  e  invisível  q  ninguém  aqui  me  conhece.  Anna  Plácido 


89 


vale  m.^  que  eu;  persuado  me,  porém,  que  o  filho  lhe  tira  os 
votos  q  ella  poderia  obter. 
Escrevo- te  quase  cego. 

Teu  do  c. 

C.  Cast.  Br: 
XCV 

QUERIDO  THOMAZ  RII5EIR0. 

Escrevo-te  na  véspera  de  sahir  p."*  Lx.'.  Devo  ahi  estar 
com  D.  Anna  e  Nuno  quarta  feira  de  manhan,  HotelfMatta, 
no  Calhariz. 

Ainda  se  não  fez  a  tolice  matrimonial.  O  nosso  pudor  de 
velhos  impediu-nos  de  ir  ante  as  aras.  Queríamos  um  casamt." 
sem  test/^  Parece  que  os  cânones  se  revoltam. 

Até  lá. 

Teu 

Camillo. 

XCVI 
MEU  QUERIDO  THOMAZ  RIBEIRO. 

Dize  á  Ex.""-^  Senhora  D.  Carlota  que  não  se  dê  ao  in- 
comodo de  procurar  casa  que  seria  o  menos  importante  dos 
muitos  incómodos  que  essa  casa  devia  trazer-lhe. 

Creio  que  D.  Anna  na  carta  que  hontem  te  escreveu  pin- 
tava satisfatoriamente  o  inexprimivel  estado  doentio  da  minha 
alma. 

Eu  sofro  aqui  muito;  porem  fora  daqui  augmenta  a  gra- 
vidade do  meu  mal,  e  já  não  posso  enganar  me.  Entretanto 
resolvemos  ir  a  Lisboa,  e.  procurar  as  possíveis  commodida- 
des  n'um  hotel  por  qualquer  preço  que  sejam.  Se  o  D."""  Al- 


90 


meida  quizer  que  eu  ahi  continue  o  tratamento,  serei  dócil 
quanto  devo  sel-o.  A  bulha  dos  hotéis  não  me  incomoda 
porque  estou  surdo,  e  as  bellezas  architectonicas  do  edifício  não 
me  fazem  falta  porque  estou  cego.  Por  consequência,  estou 
aparelhado  para  tudo. 

A  tua  ultima  carta  veio  confirmar  a  medida  que  eu  for- 
mava da  grandeza  do  teu  coração  e  dessa  adorável  senhora 
a  quem  pude  sugerir  sentimentos  de  caridade. 

Quanto  ao  tratamento,  dize  ao  sr.  D."  Almeida  que  eu  já 
tenho  12  fricções;  mas  a  respeito  de  banhos  somente  dois. 
O  frio  que  aqui  faz  explica  esta  minha  hydrophobia. 

Teu  do  coração 

Camillo. 
Seiòe 

29/1/88 

XCVII 

MEU  QUERIDO  THOMAZ  RID. 

Eu  estava  á  tua  espera  no  Porto  quando  hontem  soube 
que  D.  Anna  tinha  adoecido.  Vim  a  Seide  e  encontrei-a  mal. 
Decerto  não  se  restabelece  para  te  recebermos  com  a  alegria 
que  antevíamos  no  dia  de  teus  annos.  Não  venhas,  pois,  meu 
querido  amigo,  e  tem  m.'*  compaixão  do  teu 

C.  Castello  Br." 

XCVIII 

MEU  THOMAZ  R. 

Anna  Plácido  sente  algumas  melhoras.  Penso  em  ir  p.^ 
Vizella.  Quiz  hontem  felicitar-te,  porem  o  telegrapho  só  func- 
cionou  dep.^  das  4  horas  em  Fam."™ 

Abraça-te  o  teu 

Cam.'' 


91 

XCIX 

MEU  AMIGO. 

Não  ha  luctar  contra  a  íatalidade.  Não  podes  vir,  não  ve- 
nhas. Faço-te  justiça.  O  medico  tinha-me  dito  que  em  20  ou 
30  dias  de  tratamento  eu  teria  grandes  melhoras  vivendo 
com  a  felicidade  e  serenidade  que  a  tua  companhia  me  dava. 
Disse  me  q  fosse  comtigo  p.*  a  Feitoria  onde  elle  iria  trez 
vezes  por  semana ;  e  como  a  Senhora  D.  Carlota  me  dissesse 
que  eu,  m.^  mulher  e  os  meus  creados  podiamos  viver  em 
uma  cazinha  interiormente  separada  da  tua,  alegra-me  a  es- 
perança de  ir  ali  realizar  o  prognostico  do  medico.  Emfim, 
paciência  e  conformidade  com  a  natureza  das  coisas. 

O  teu  livro  foi  vendido  aos  successores  do  Chardron  por 
300  mil  reis.  Enviaram  logo  metade  do  preço  q  eu  aqui  te- 
nho em  ordem  de  pagamt."  p.'  ti.  A  outra  quantia  deve  vir 
com  a  ultima  prova.  O  livro  hade  estar  impresso  dentro  de 
trinta  dias.  A  primeira  prova  talvez  ja  venha  pelo  caminho.  Com 
ella  deves  mandar  o  titulo  que  ainda  não  deste ;  e  o  volume 
hade  ter  necessariamt.®  300  pag.  no  formato  do  D.  Jaime. 

Os  livreiros  disseram  que  o  manuscripto  enviado  daria  ape- 
nas cem  paginas.  Quem  tratou  este  negocio  foi  o  Freitas 
Fortuna  com  o  maior  zelo  possível,  e  com  authorisação  mi- 
nha. Se  te  ahi  demorares,  escreve  a  João  António  de  Freitas 
Fortuna,  Ramada  Alta  p.*  q  te  mande  as  provas. 

Quando  á  ordem  dos  150$000  dize  se  a  deixo  estar  ou 
queres  que  t'a  envie. 

Estimo  que  te  restabelleças  depressa  e  nos  dês  a  alegria 
da  tua  vinda.  Quanto  ao  meu  estado  bastam  os  telegrammas 
enfadonhos  e  aflictissimos  p.'*  que  o  conheças. 

Sê  feliz  e  adeus. 

Teu  mt.°  grato 

Camillo. 


92 


MEU  PRESADO  THOMAZ  RIBEIRO. 

Aqui  esteve  quatro  horas  o  Dr.  Gama  Pinto,  uma  cara  in- 
íeligentissima  revelando  um  excellente  coração.  Conheceu  ra- 
pidamente o  meu  deplorável  estado  e  fez- me  um  bom  dis- 
curso para  me  dar  a  paciência  e  a  resignação  com  a  cegueira. 
Depois  submetteume  a  vários  exames  para  se  convencer  e 
me  convencer  que  a  minha  cegueira  resultava  dum  exgota- 
mento  nervoso,  a  que  elle  não  quiz  dar  o  nome  de  anemia. 
Condoido  da  perturbação  em  que  me  viu,  porque  a  sua  sen- 
tença para  mim  não  tinha  appelação  nem  aggravo,  não  me  pro- 
poz,  mas  acceitou  o  alvitre  de  eu  ir  para  Lisboa  fazer  um 
íractamento.  Ora  o  tractamento  projectado,  consistindo  na 
dieta,  é  o  mesmo  que  eu  fiz  inutilmente  6  mezes. 

Não  obstante,  resolvi  ir  para  Lisboa,  terra  que  abomino 
e  que  na  presente  estação  me  seria  insupportavel.  Não  posso 
porem  ir  porque  me  sinto  a  tal  ponto  debilitado  que  não  po- 
deria fazer  a  jornada  sem  grandes  angustias;  alem  disso  mi- 
nha mulher  está  soffendo  muito  e  não  poderia  accompanhar-me 
n'esta  via  dolorosa.  Estão  pois  perdidas  as  esperanças  que 
eu  tinha  no  grande  medico  cuja  sciencia  não  pode  vencer  im- 
possíveis. Considero-me  perdido,  e  elle  também  no  fundo  da 
sua  consciência  e  experiência  me  deve  assim  considerar.  São 
impagáveis  os  favores  que  te  devo  a  ti,  ao  Senhor  D.  Luiz  e 
a  elle;  pouco  tempo  terei  de  vida  para  poder  esquecel-os,  e 
poucos  infelizes  terá  havido  a  quem  tantas  mãos  bemfazejas 
se  estendessem ;  mas  a  fatalidade  é  tão  forte  que  nem  a  tua 
grande  amizade  nem  a  sciencia  do  illustre  medico  nem  o  braço 
Real  poderão  jamais  vencer.  Como  não  posso  tolerar  a  vida 
aqui  em  Seide  onde  trabalhei  24  annos  vou  sahir  daqui  para  a 
Povoa  onde  tenciono  seguir  á  risca  as  prescrições  do  Dr.  Gama 
respectivamente  á  dieta.  Nada  espero;  mas  o  meu  dever  é 


93 


accreditar  que  n'essas  prescrições  não  havia  somente  o  intuito 
de  sustentar  me  a  vida  amparada  na  esperança.  Segundo  o 
calculo  do  notável  professor  poderei  perder  a  vista  completa- 
mente ao  cabo  de  8  mezes. 

Se  calculo  não  falha  consola-me  dizer-te  que  a  minha 
vida  não  terá  tão  longo  prazo,  e  Deus  permitia  que  eu  me  não 
engane. 

Alguns  jornaes  de  Lisboa  annunciaram  a  tua  sahida  para  o 
Porto,  na  noite  em  que  o  medico  sahia  para  aqui. 

Se  cá  não  vieste  para  te  não  affligires  fizeste  bem  por- 
que vinhas  assistir  a  um  espectáculo  doloroso. 

Não  imaginas  como  cahiram  todos  os  meus  castellos  no 
ar  quando  o  medico  em  vez  de  combater  a  minha  cegueira 
tratou  de  me  armar  de  paciência  para  toleral-a. 

Fez-se  na  minha  alma  uma  noite  escura  que  nunca  mais 
terá  aurora.  E  é  neste  estado  siugularmente  infeliz  que  dicto 
esta  carta  pedindo-te  que  faças  saber  a  Sua  Magestade  a 
minha  gratidão  para  a  qual  eu  não  tenho  expressões  senão 
as  que  eu  poderia  manifestar  dobrando  os  joelhos  deante  d'El- 
Rei.  Ao  Snr.  Dr.  Gama  Pinto  dirás  que  eu  fiquei  compre- 
hendendo  a  profundidade  da  sua  magua  por  não  poder  acu- 
dir-me.  Lembra- me  saudoso  á  Ex.'"*  Snr.'^  D.  Carlota  e  aos 
teus  filhos  e  não  esqueças  de  me  lembrar  ao  João  de  Gonta. 

Teu  do  coração 

Camillo  Castello  Brr 
5.  M.  õe  Seiôe 

5/7/88 

Cl 

MEU  QUERIDO  AM." 

Recebes  hoje  uma  carta  q  ditei  a  Ant.°  Vaz  de  Nápoles, 
Eu  tive  pejo  de  te  dizer  que  as  m.*'  posses  não  me  per- 
mittem  ir  fazer  tratamt."  em  Lx."  com  as  commodid.'^^  q.  re- 
quer a  enfermidade.  O  <]  temos  é  pouco  para  segurar  p.^  m.^ 


94 


morte  a  subsistência  do  Jorge  n'um  hospital.  Alem  d'isso  iria 
sacrificar  tudo  sem  resultado,  p/  q  o  Dr.  Gama  me  considera 
perdido  talvez.  E'  o  que  elle  te  diria,  e  me  não  disse  a  mim 
p.'  compaixão.  Estou  cego.  Ad.'  meu  Thomaz. 

Teu 
Cam." 

CII 

MEU  THOMAZ  RIBEIRO. 

As  cartas  q  vão  juntas  foram  escriptas  hontem  com  o  pro- 
pósito de  partir  hoje  p."  ahi;  mas  a  noite  q  passei  foi  tão 
cruel  com  um  pruido  herpeteco  nas  cosias  e  nos  braços, 
acompanhado  de  cephalalgia,  q  não  posso  mover-me.  Tive,  pois, 
tempo  de  pensar  na  inutilid.^  da  jornada,  e  também  na  inuti- 
lid.«  de  vir  aqui  ver- me  algum  medico.  Pela  carta  q  te  envio 
p.*  o  Sr.  Dr.  Bossa  verás  que  a  m.*  doença  está  fatal  e  irre- 
mediavelmt.e  definida.  A  perda  de  vista  é  a  perda  geral  das 
forças,  lesoens  nervosas  incuráveis,  q  começaram  ha  mais  de 
20  annos  e  estão  no  ultimo  periodo  de  esphacellamento.  Por 
tanto,  meu  filho,  não  me  esperes,  nem  queiras  tornar  a  ver-me, 
assim  como  eu  desejo  não  ver  mais  pessoas  que  amei.  O  que 
eu  pediria  a  Deus,  se  elle  existisse,  era  que  me  deixasse  ac- 
cabar  sem  a  antecipação  das  trevas,  eternas  n'esta  vida. 

Adeus. 

Teu  mais  que  am." 

Camillo. 

cm 

MEU  PRESADO  THOMAZ  RIBEIRO. 

Eu  e  minha  mulher  chegamos  a  Lisboa  quinta  feira  pela 
meia  noite.  Depois  da  m.*  chegada  indagarei  onde  moras  para 


95 


Anna  Plácido  ir  abraçar  a  Ex.'"'  Sr."  D.  Carlota  e  tuas  filhas 
como  deseja;  e  pedir-te  que  vás  ver-me,  provavelmt.^  no  meu 
leito  de  dôr.  Por  emquanto  nâo  sei  dizer-te  onde  me  hospe- 
darei. 

Teu  do  coração 

Camillo. 
CIV 

MEU  PRESADO  THOMAZ  RIB." 

Quando  receberes  esta  carta  estarei  em  Lx/'  no  hotel 
Francfort.  Considero  me  morto,  mas  vou.  Não  vamos  p.''  tua 
caza  p.'"  que  não  a  quero  constituir  em  ante-camara  da  sepul- 
tura. Beijo-te  o  coração  pelas  tuas  sanctas  bondades  e  rara  com- 
paixão. Peço- te  a  fineza  de  entregares  a  carta  ao  Sr.  Dr.  Bossa. 

Até  lá. 

Teu 

Cami/lo 
CV 

MEU  QUERIDO  THOMAZ  RIBEIRO. 

Ao  3"  dia  de  Lx."^  cuidei  que  endoidecia.  No  dia  em  que 
me  procuraste  duas  vezes  não  sahi  de  caza.  Estive  sempre 
atormentado  por  uns  sujeitos  que  o  porteiro  da  estalagem 
me  mettia  no  quarto,  ao  passo  q  a  ti  e  a  outros  amigos  q  eu 
tanto  desejava  ver  pela  ultima  vez,  dizia  q  eu  estava  fora, 
Quando  tencionávamos  ir  a  tu  casa  senti  me  tão  doente  que 
ás  2  da  manhan  deliberávamos  sahir.  Aqui  tens,  meu  f."  Eu 
tencionava  dar-te  um  bocadinho  de  ferro  q  trouxe  30  annos 
sobre  o  peito.  Ahi  t'o  mando.  Lega  o  a  um  dos  teus  filhos  em 
q  conheceres  coração  com  m.'  sentimt.''  para  a  saudade  das 
coisas  e  dos  nomes  extinctos. 


96 


Pouco  posso  ter  de  vista  e  de  vida.  Nem  me  deram  tempo 
a  ouvir  a  sentença  de  um  especialista.  Talvez  fosse  melhor. 
Não  posso  mais  nem  vejo  o  q  te  escrevo. 

Teu  do  c. 

C  Cast.  Br." 
5.'  fr.» 

CVI 

MEU  QUERIDO  AMIGO. 

Cada  dia,  peor.  A  agudeza  da  vista  central  q  ainda  tinha 
em  Lisboa  desappareceu.  Suspendi  tudo  q  era  remédio.  In- 
doudeço  p.''  que  vou  cegar  inteiramt.^. 

Ad.'  meu  bom  T.  R. 

Dia  de  festa ! 

Teu  do  c. 

C  C  B. 
CVII 

MEU  QUERIDO  AM». 

Fallas-me  em  escrever  um  romance  quando  ja  não  tenho 
vista  p.*  escrever  uma  carta ! 

Quem  sabe  se  esta  é  a  ultima  carta  que  recebes  do  teu 

^  Camillo  C.  Brr 

Sabbaõo 

CVIII 

MEU  QUERIDO  T.  RIBEIRO. 

E'  tarde,  meu  am.°;  mas  vem  sempre  a  tempo  estes  cari- 
nhos sanctissimos  da  tua  amizade.  Estou  sem  olhos,  sem  per- 


97 


nas,  sem  cérebro.  Isto  vae  n'um  desapoderado  galope,  e  to- 
mara eu  que  o  cólera  começasse  p/  esta  casa,  visto  que  é 
uma  Morte  benigna  q  dispensa  grandes  agonias. 

Beijo  os  teus  filhos,  e  aperto  a  mão  da  ditosa  mãe  de 
dois. 

Teu 

Camillo. 
CIX 
MEU  QUERIDO  THOMAZ  RIBEIRO. 

A  minha  fatal  doença  reduziu- me  ao  silencio  dos  desgra- 
çados que  já  se  envergonham  de  queixar-se.  Estou  n'um  tra- 
tamí."  sem  esperanças,  mas  submelto  me  para  que  me  não 
fique  o  pezar  de  me  ter  abandonado  á  perspectiva  da  com- 
pleta cegueira. 

Paliemos  dos  vivos.  Ahi  vai  meu  filho  para  duas  missoens 
de  que  depende  o  seu  futuro,  e  o  da  mãe  e  o  do  Jorge,  e  tal- 
vez o  derradeiro  amparo  dos  meus  últimos  dias.  O  Nuno  leva 
uma  carta  minha  para  El- rei.  Decerto  preciza  que  tu  o  apre- 
sentes e  o  salves  da  perturbação  que  lhe  deve  causar  um  en- 
contro desta  espécie.  Tu  verás  a  carta  e  ajudarás  os  meus 
rogos  com  os  teus  afim  de  que  os  meus  olhos  se  não  fechem 
de  todo  sem  que  eu  veja  o  meu  filho  na  posição  de  protejer 
esta  pobre  familia  cahida  n'uma  dependência  a  que  nunca  che- 
garia se  eu  não  perdesse  os  olhos.  ]á  vês  pois,  meu  caro 
Thomaz  Ribeiro  que  o  primeiro  passo  a  dar  é  obter  a  por- 
taria para  que  o  Nuno  possa  fazer  desde  já  exame  elemen- 
tar e  de  instrucção  primaria  em  qualquer  Lyceu.  Depois,  é 
mais  que  tudo  preciso  que  elle  seja  despachado  para  o  logar 
de  recebedor  que  vae  ser  creado  em  Lisboa ;  e  para  isso  re- 
quer-se  influencia  tão  valiosa  que  eu  só  vejo  na  vontade  de 
S,  Magestade  a  possibilidade  de  se  obter  do  ministro  tão  di- 
fícil despacho. 


98   

Se  isto  que  eu  te  estou  pedindo  é  uma  allucinaçao  do 
meu  pobre  espirito  atormentado  corrige  tu  com  os  teus  con- 
selhos este  desvario;  mas  eu  creio  que  tu  farás  quanto  possas 
por  salvar  a  minha  familia  cooperando  para  que  o  Nuno  seja 
despachado.  Não  sei  como  vae  esta  carta.  Tenho  passado 
noites  desgraçadissimas  e  só  me  sinto  viver  pela  dor,  pela  de- 
sesperação e  pela  vontade  de  morrer. 

Abraço- te  e  adeus. 

Teu 

Camillo. 

CX 

MEU  QUERIDO  T.  RIBR." 

O  bilhete  era  meu.  Por  falta  de  vista  não  reparei  que  o 
cartão  era  de  m.**  mulher. 

Se  a  pensão  é  vergonhosa,  não  a  peças  nem  lembres,  meu 
am.°  Logo  q  de  todo  cegue,  suicido-me.  Lembrava-me  de  q 
p.""  m.®  morte  a  pensão  seria  continuada  á  m.**  familia.  Anna 
Plácido  viverá  pouco ;  mas  ficaria  o  meu  infeliz  Jorge.  Qt.°  ao 
Nuno,  esse  é  relativamt.^  abastado.  Com  algum  fuizo  tem  de 
sobra  com  que  viva  honesta  e  decentem.'®  Imaginava  em  q 
não  seria  aviltante  o  amparo  q  me  desse  o  meu  paiz.  A  des- 
graça dá  uns  prismas  que  os  felizes  repulsam.  Também  eu,  se 
ha  10  annos  me  vaticinassem  este  conflicto  da  doença  incu- 
rável com  a  pobreza,  eu  atiraria  comigo  a  um  abysmo  p.*  me 
salvar  do  opprobrio.  A  doença  quebrou-me  os  brios,  anniqui- 
loume.  Não  me  reconheço. 

Beija-te  as  mãos  o  teu  mais  grato  am.** 

Camillo. 
P.  S. 

No  emtanto,  pede  a  El- Rei  que  me  proteja.  Se  S.  Mages- 
tade  manifestar  um  affecto  compadecido  por  um  homem  que 


99 


se  gastou  nas  lides  que  ElRei  conhece,  sem  lhes  conhecer  o 
travo  infernal,  eu  creio  que  haverá  p.*  mim  umas  migalhas 
que  sobejam  na  meza  dos  q  souberam  orientar  se.  Peço-te 
mais  q  tudo  algumas  palavras  de  alento,  porque  não  as  peço 
a  m.'  ninguém  nem  tenho  quem  m'as  dê,  meu  bom  am." 

CXI 

MEU  QUERIDO  THOMAZ  RIBEIRO. 

Como  a  pensão  de  meu  filho  tem  de  ser  votada  na  camará 
alta,  venho  pedir-te  o  favor  de  propor  a  emenda  relativa  a 
emolumentos  e  direitos  de  mercê. 

Como  verás  da  carta  inclusa,  o  governo  resolvera  isentar-me 
d'esse  pezadissimo  ónus;  mas  na  redacção  do  decreto  não 
vejo  mencionada  essa  importantissima  isenção.  Creio  que  está 
ao  arbitrio  da  camará  alta  propor  a  emenda,  que  a  outra  ca- 
mará decerto  não  regeitará. 

Confiadíssimo  na  tua  dedicação  não  me  cohibo  de  a  sol- 
licitar  mais  uma  vez. 

Continuo  a  padecer  como  era  natural.  As  m."""  angustias 
e  as  mesmas  esperanças. 

Recommenda-nos  á  Senhora  D.  Carlota  e  crê  na  profunda 
gratidão  do  teu 

Camillo. 

CXII 

MEU  QUERIDO  THOMAZ  RIBEIRO. 

Se  não  achares  inconveniente  a  carta  que  te  envio  remet- 
te-a  ao  teu  desgraçado  cliente.  Sabes  tu  uma  coisa?  Eu  sou 
capaz  de  apostar  que  o  salvas.  Se  o  salvares,  dás-me  um  bom 
quinhão  na  tua  gloria  e  na  tua  alegria. 

Estou  cada  vez  peior.  Tenho  trez  fricçoens,  não  ha  tempo 


loò 


ainda  de  lhes  conhecer  a  vantagem ;  mas  desconfio  que  ao 
chegar  á  decima  segunda,  já  não  terei  vista.  O  olho  esquerdo 
está  quasi  perdido. 

Abraça-te  o  teu  do  coração 

Camillo. 

CXIII 

MEU  QUEKIDO  THOMAZ  RIBEIRO 

Se  podes  acudir-me  nesta  m.^  agonia  de  Domingo,  sem 
sacrificio  da  tua  saúde,  acode  me.  Eu  estou  na  maior  angus- 
tia. 

Teu 

Camillo, 
CXIV 

THOMAZ  RIBEIRO,  MEU  JSEMFEITOR. 

Ainda  não  ceguei  de  todo ;  mas  estou  perdido,  se  me  não 
acodes.  Vem  aqui  com  o  doutor  Almeida,  e  leva- me  seja  para 
onde  for,  meu  am.°.  Tens  defendido  tantos  desgraçados.  De- 
fende-me  da  cegueira,  se  o  milagre  se  pode  fazer. 

Estive  8  dias  na  caza  de  Saúde,  e  fugi  quando  me  vi  em 
trevas.  Dá  ao  meu  infortúnio  o  ultimo  socorro. 

Escrevo-te  para  que  D.  Anna  não  saiba  com  q  angustia 
o  faço. 

Acode  me.  Ao  menos  q  venha  o  doutor  Almeida  ver  o 
meu  estado. 

Teu 

Camillo. 

3 '  U:\ 


101 

cxv 

MEU  THOMAZ. 

Estou  a  cegar.  Perdido !  Vou  fugir  d'aqui  p."*  me  não  ma- 
lar debaixo  dos  teus  olhos  e  do  teu  amor. 

Teu 

Cam." 
CXVI 

MEU  QUERIDO  T.  RIBR." 

Muito,  muito,  muito  obrigado.  Abriste  as  portas  da  vida  a 
um  homem  que  te  pode  ser  grato,  e  uma  honra  das  lettras. 
Escrevo-(e  commovido.  Eu  choro  quando  concorro  p.^  a  fe- 
licid.'  de  alguém.  A  m.'^  já  não  me  importa. 

Teu 

Camillo. 
CXVII 

MEU  QUERIDO  AMIGO- 

Muito  obrigado.  Lembrei- te,  lembraste  o  teu  pobre  Ca- 
millo, no  meio  das  luas  alegrias  de  fam.^  Aqui  estou  muito 
triste,  ml."  doente,  e  muito  certo  de  q  Deus  me  dispensará 
depressa. 

Esteve  aqui  hontem  o  Guilhermino  de  Barros  a  ler-me 
soberbos  versos  do  livro  «Cantos  do  fim  do  século». 

Eu  estava  a  tremer  de  frio  e  dores  na  cama.  Cheguei  a 
aquecer,  e  a  esquecer  as  nevralgias.  As  poesias  panegyricas 


102 


de  M.**'  Passos  e  de  Garrett  são  dois  monumentos.  Eu  não 
imaginava  o  Guilhermino  capaz  de  tanto.  Que  rijo  cérebro 
aos  55  annos! 

Affectos  meus  mt.*"  cordeaes  á  tua  familia. 

Teu 
Camillo. 
CXVIII 

MEU  PREZADO  AMIGO. 

Tive  noticias  dos  teus  encommodos  pela  Senhora  D.  Car- 
lota e  pelos  jornaes. 

Felizmente  creio  que  se  dissiparam. 

Eu  estou  na  cama  em  trevas  cerradas  e  cortado  de  dores. 

Se  houvesse  Deus  eu  ja  devia  ter  morrido  pelo  muito  que 
lhe  peço  a  morte. 

Não  contribuo  para  o  jornal  contra  a  Inglaterra,  por  que 
não  sou  inimigo  dos  inglezes.  Encontro- os  com  os  primeiros 
Affonsos  a  conquistar  o  Sul  de  Portugal;  acheios  em  Alju- 
barrota defendendo  os  falsos  direitos  do  Mestre  d'Avis  con- 
tra D.  João  de  Castella;  encontrei-os  em  frente  de  Lisboa 
deffendendo  os  direitos  do  rei  portuguez  D.  António  contra 
Filippe  2.°.  No  terramoto  de  1755,  Inglaterra  remetteu  á  de- 
solada Lisboa  uma  frota  com  donativos  superiores  a  quinhen- 
tos mil  cruzados.  Acho  os  inglezes  ligados  a  Portugal  contra 
Napoleão  e  empenhados  em  restituírem  D.  João  6.°  ao  trono. 
Encontro  ainda,  nos  nossos  dias,  os  inglezes  por  mar  e  por 
terra  batendo  as  forças  do  usurpador  D.  Miguel.  Estes  factos 
não'^me  irritam  patrioticam.'*  contra  Inglaterra. 

Quanto  aos  mckololcs,  sabes  de  mais  que  nò  fim  do  rei- 
nado de!  D.  Jcão  S.*"  €ram  já  perdidas  as  linhas  hydrcgraphicas 
da  Africa.  Depois  Alcácer  Kibir  nem  portuguezes  nem  hes- 
panhoes  pensaram  mais  nos  cafres.  Depois  de  1640  nunca  lá 
se   mandou  missionários,  nem  protecção  nem  educação.  Tudo 


103 


aquillo  prescreveu  como  se  a  vaga  de  dois  séculos  lamoesse 
os  areaes  onde  foram  escriptos  os  direitos  de  Portugal. 

Basta,  que  a  minha  amanuense  deve  estar  fatigada. 

Em  harmonia  com  um  pedido  feito  por  minha  mulher  á 
Senhora  D.  Carlota,  peço-te  a  fineza  de  me  enviares  o  tri- 
mestre da  pensão  logo  que  o  teu  Ex.™"  compadre  o  tenha  re- 
cebido com  a  tua  assignatura  a  meu  rogo. 

Do  teu 
Camillo. 
CXIX 

MEU  QUERIDO  THOMAZ  RIBEIRO. 

Praza  a  Deus  que  a  tua  filha  esteja  restabelecida,  e  o  teu 
coração  tranquillo.  O  meu  poema  intitula -se  Extermínio  da 
Inglaterra,  Trovas  alegres  por  C.  C.  B.  Contem  650  ver- 
sos repartidos  em  quadras.  Ha-de  ter  um  prefacio  e  notas 
Deve  dar  um  volume  de  80  paginas  em  oitavo  pequeno  com 
3  quadrjs  por  pagina.  Se  achares  um  editor  que  me  dê  du- 
zentos mil  réis  pela  propriedade,  trato  de  organizar  os  cantos 
que  por  emquanto  se  acham  dispersos.  Poderás  então,  no  cazo 
de  haver  ahi  comprador,  escolher  para  o  Mensageiro  os  tre- 
xos  que  quizeres. 

Peço-te  encarecidamente  que  perguntes  ao  Dr.  Rebello 
da  Silva  se,  no  cazo  de  completa  cegueira  em  que  me  encon " 
tro,  deverei  continuar  algum  tratamento.  Estou  que  elle  te  res- 
ponderá conscienciozamente  que  me  rezigne,  ou  que  morra- 
Não  tenho  palavras  com  que  te  exprima  a  vida  atroz  que  me 
está  despedaçando.  Quando  souberes  que  eu  morri,  alegra  te. 

Teu  do  coração 

Camillo  Castello  Branco. 


104 

cxx 

MEU  THOMAZ. 

A  ti  e  ao  snr.  Conselheiro  Margiochi  muito  agradeço  o 
favor  de  acreditarem  que  eu  não  fui  um  inquilino  insolvente 
e  fugitivo.  Este  conceito  era  para  mim  mais  doloroso  que  a 
iniquidade  da  execução  judicial.  Ouvi  ler  os  teus  eruditos,  jo- 
cosos e  ás  vezes  trágicos  versos.  Estás  na  juventude  do  gé- 
nio. Serás  até  á  velhice  poeta  como  Garrett ;  mas  não  pinta- 
rás o  bigode  nem  farás  madrigaes.  Tenho  peorado  quanto  é 
possível  para  crer  no  beneficio  da  morte.  Rogo-te  que  nunca 
te  esqueças  de  meu  filho  Jorge  que  tanta  compaixão  te  ins- 
pira. Logo  que  a  mãi  lhe  falte  só  terá  a  tua  protecção.  Re- 
commenda-me  á  Snr."'  D.  Carlota,  ao  João  de  Gonta,  e  ás 
tuas  adoráveis  filhas. 

Teu 
S.  Miguel  õe  SeiÕe 

16/6/90 

Camillo. 


NOTAS 


Obtida  autorização  da  Ex.""*  Senhora  D.  Branca  de 
Gonta  Colaço,  encarregou-mc  o  editor  de  fazer  algumas  no- 
tas às  cartas  que  constituem  este  livro.  Aceitei  o  encargo 
porque  os  meus  conhecimentos  da  matéria,  como  as  espé- 
cies da  minha  colecção,  estão  sempre  à  disposição  de  quem 
se  me  dirija,  seja  quem  íôr. 

E  nada  há  que  agradecer.  O  meu  procedimento  tem  um 
único  fim  — o  de  concorrer,  quanto  possível,  para  o  estudo 
da  vida  e  da  obra  de  Camillo. 

As  notas  são  de  simples  esclarecimento  sobre  pessoas 
e  factos  de  que  tratam  as  cartas. 

Assim,  sendo  úteis  para  quem  souber  menos  do  que  eu, 
nenhum  mal  farão  aos  que  saibam  o  mesmo  ou  mais. 

A  estes  últimos  peço  que  emendem  os  meus  erros, 
pondo  inteiramente  de  parte  a  minha  pessoa  e  tendo  em 
vista  apenas  aquele  fim. 

Terão  os  meus  sinceros  agradecimentos  os  que,  desse 
modo,  aperfeiçoarem  este  trabalho. 

Monte  Aguòo,  1922. 

/.  D.  C 


NOTAS 

(/k  numeração  õas  notas  corresponDe  á  da$  cartas) 


III 


E'  esta  carta  de  1873  e  por  ela  se  vê  que  já  por  esse 
tempo  Camillo  pensara  em  obter  o  título  de  visconde,  idea 
que,  segundo  a  carta,  tinha  abandonado  para  o  não  empa- 
relharem com  o  Manuel  Roussado  ou  R.  Guimarães. 

O  primeiro  é  o  conhecido  escritor  humorístico  que  foi 
agraciado  com  o  título  de  Barão  de  Roussado  e  morreu  sendo 
cônsul  de  Portugal  em  Liverpool. 

Em  1862  publicou  o  seu  poema  cómico  Roberto,  paródia 
ao  D.  Jayme,  de  Thomaz  Ribeiro.  Desse  poema  tratou  Ca- 
millo na  Revista  Contemporânea  (IV,  415).  numa  das  car- 
tas a  Ernesto  Biesíer,  reproduzidas  em  1865  nos  Esboços 
de  Apreciações  Litterarias. 

A  crítica  de  Camillo  foi  também  publicada  na  2."  ed.  do 
Roberto,  em  1867. 

Roussado  é  também  um  dos  poetas  que  figuram  no  Can- 
cioneiro Alegre. 

O  segundo  é  Ricardo  (Augusto  Pereira)  Guimarães,  Vis- 
conde de  Benalcanfor, 

Refere-se  a  Cam.illo   cm  alguns  dos  seus  livros  e  espe- 


110 


cialmente  no  intitulado  Phantasiãs  e  Escviptores  Contem- 
porâneos (1874)  em  que  lhe  consagrou  um  capítulo. 

Em  1884,  Camillo  dedicou-lhe  o  opúsculo  O  General 
Carlos  Ribeiro. 

Na  carta  lê  se  este  período:  «Nem  sequer  barão,  visto 
que  eu  os  cantei  no  jantar  q  tu  sabes  melhor  do  que  eu.» 

Trata- se  da  poesia  Um  jantar  de  baroens,  que  faz  parte 
do  folheto  Folhas  Cahidas,  apanhadas  na  lama,  publicado 
em  1854,  e  que  foi  reproduzida  no  Cancioneiro  como  da 
autoria  dum  Anonymo. 


VI 


Fala  Camillo  do  contentamento  do  Barão  de  Paço  Vieira 
com  a  sua  transferência. 

Pouco  antes  escrevera  àquele  titular,  Dr.  José  Joaquim 
Vieira,  então  juiz  de  direito  em  Silves  e  mais  tarde  juiz  e  pre- 
sidente da  Relação  do  Porto,  o  seguinte  :  «Dize  me  como  te 
vais  conformando  com  a  desgraça  e  se  devo  recommendar-te 
ao  Fios  Sanctorum  do  século  XIX.» 

A  desgraça  era  a  estada  em  Silves  de  onde  finalmente 
foi  transferido  o  Barão  de  Paço  Vieira. 

A  carta  a  que  pertence  o  período  transcrito  está  publicada 
no  opúsculo  Cartas  de  Camillo  (1917),  do  sr.  Conde  de  Paço 
Vieira. 

São  29  as  cartas  e  acompanhadas  de  muito  interessantes 
notas  do  sr.  Conde  que  é  um  dedicado  admirador  de  Camillo. 


VIII 


Vê  se  nesta  carta  que  Camillo  chegou  a  propor  ao  governo 
um  contracto  para  a  publicação  do  livro  sobre  o  Prior  do 
Crato.  Nada  sei  a  tal  respeito,  além  do  que  diz  a  carta. 

Sobre  o  projectado  livro  veja -se  a  nota  seguinte. 


111 


IX 


Mostra  esta  caria  que  já  em  1875  Camillo  projectava  um 
livro  sobre  o  Prior  do  Crato,  de  cuja  realização  duvida  logo 
no  P.  S. 

Durante  muitos  anos  pensou  e  trabalhou  nessa  obra,  de 
que  apenas  publicou  fragmentos  no  Sentimentalismo  e  His- 
toria e  no  D.  Luiz  de  Portugal.  No  prefácio  deste  opúsculo 
diz  que  não  poderá  concluir  a  tarefa  pela  idade  e  pela  doença- 
Mais  ou  menos  o  que  já  dizia  no  P.  S.  desta  carta.  Creio,  po- 
rém, que  a  verdadeira  causa  de  não  ter  acabado  o  trabalho 
é  a  que  se  depreende  da  carta  a  Vitorino  da  Mota,  publicada 
na  revista  portuense  A  /Ilustração  Moderna  (1901,  n.'"  8-9) 
—  a  convicção  em  que  Camilo  estava  de  que  os  editores  acei- 
tavam a  obra  para  honrar  o  compromisso,  mas  contrariados 
por  duvidarem  do  êxito  da  edição. 


X 


Nesta  carta  e  na  seguinte  há  referências  a  Miguel  Máximo. 
Creio  que  se  trata  de  Miguel  Máximo  da  Cunha  Monteiro 
que  ao  tempo  era  deputado  e  que  em  1890  foi  par  do  reino, 
electivo.  E'  também  o  mesmo,  segundo  julgo,  que  foi  cari- 
caturado a  pags.  404  e  407  do  2."  ano  do  António  Maria. 
No  1."  ano,  pags.  78  e  83,  há  também  referências  á  mesma 
pessoa. 

XI 

(V.  nota  anterior). 


112 


XII 


Fala  Camiilo  do  seu  cunhado  médico.  E'  o  Dr.  Francisco 
José  de  Azevedo,  nascido  em  1812  e  falecido  em  1867.  A 
seu  respeito,  veja-se  o  cap.  I  do  Camiilo  e  os  Médicos,  do 
ilustre  escritor  e  investigador  sr.  Dr.  Maximiano  Lemos. 

No  capítulo  Impressão  indelével,  das  Duas  Horas  de 
Leitura,  descreve  Camiilo  um  curioso  episódio  em  que  fi- 
gura o  Dr.  Azevedo.  Essa  narrativa  só  aparece  a  partir  da  2.^ 
edição  (1858). 

Os  filhos  do  médico,  sobrinhos  de  Camiilo,  são  os  conse- 
lheiros António  e  José  de  Azevedo  Castello  Branco.  O  pri- 
meiro, já  falecido,  publicou  em  1885  o  livro  de  versos  L{^ra 
Meridional,  a  respeito  do  qual  Camiilo  escreveu  um  artigo  no 
n.°  3  dos  Seroens  de  S.  Miguel  de  Seide,  de  que  se  fez  uma 
edição  em  separado,  muito  rara  por  a  tiragem  sar  apenas  de 
40  exemplares. 

O  segundo  ainda  vive  e  tem  também  um  livro  de  versos 
intitulado  Ao  cahir  da  Folha. 

Ambos  foram  políticos,  tendo  ocupado  as  mais  altas  situa- 
ções durante  o  antigo  regime. 

Na  carta  LXX  volta  Camiilo  a  referir  se  ao  sr.  conselheiro 
José  de  Azevedo. 


Xlli 


Refere-se  esta  carta  ao  Dr.  Joaquim  Alves  Matheus  que 
foi  cónego  da  Sé  de  Braga,  grande  orador  sagrado  e  figura 
de  relevo  na  política  do  seu  tempo. 

Segundo  vejo  no  Boletim  da  Biblioteca  Pública  e  do 
Arquivo  Distrital  de  Braga  (1920  -  vol.  I,  pag.  61),  foi  êle 
o  autor  do  artigo  publicado  em  1866  no  Partido  Liberal,  jor- 
nal bracarense,  em  que  Fr.  Barolomeu  dos  Mártires  era  acu- 


113 


sado  de  traidor  à  Pátria,  artigo  que  originou  uma  viva  polé- 
mica em  que  Camilio  interveio. 

Os  documentos  dessa  questão  estão  compilados  em  dois 
opúsculos:  D.  Fr.  Bartholomeu  dos  Martyres  ea  Usurpa- 
ção dos  Filippes  e  O  Patriotismo  de  Fr.  Baitolomeu 
dos  Martyres. 

O  primeiro  foi  publicado  em  Braga,  em  1895;  o  segundo 
é  impresso  no  Porto  e  não  tem  data. 

Participa  Camilio  nesta  carta  a  morte  de  Manuel,  o  filho 
do  primeiro  casamento  de  D.  Anna  Plácido,  falecido  em  17 
de  Setembro  de  1877,  aos  dezanove  anos  de  idade.  A  essa 
data  se  referem  os  versos  Se  me  lembro!. . .,  publicados  na 
Bohemia  do  Espirito. 

Refere-se  depois  à  visita  de  Castilho.  Foi  em  15  de  Julho 
de  1866  que  se  realizou  essa  visita  que  foi  comemorada  por 
D.  Anna  com  uma  pirâmide  de  granito  levantada  num  recanto 
da  quinta  de  Seide. 

Castilho  foi  acompanhado  por  seu  filho  Eugénio,  por  Vieira 
de  Castro  e  por  Thomaz  Ribeiro  que  escreveu  seis  quadras 
que  os  filhos  de  Camilio  ofereceram  com  uma  coroa  de  lou- 
ros ao  poeta,  quando  se  inaugurou  o  monumento.  Esses  ver- 
sos estão  publicados  nos  Sons  que  passam  e  a  eles  se  re- 
fere Camilio  na  Bibliographia  Portugueza  e  Estrangeira 
(3.°  ano,  n.°  1),  no  artigo  que  escreveu  quando  saiu  a  3.'^  edi- 
ção do  livro  de  Thomaz  Ribeiro. 

Na  carta  LXIII,  escrita  na  Póvoa  de  Varzim,  onde  mor- 
reu Manuel  Plácido,  volta  Camilio  a  falar  da  festa  de  Seide, 
realizada  19  anos  antes  e  não  17  como  diz  a  carta. 


XIV 
(V.  nota  anterior). 


114 


Custódio  José  Vieira  é  o  grande  orador,  falecido  em  1879. 
Amigo  íntimo  de  Camillo,  padrinho  de  seu  filho  Nuno,  fer- 
vente tribuno,  jornaUsta  virulento,  como  diz  o  seu  amigo, 
era  um  coração  generoso,  uma  grande  alma. 

No  Discurso  Preliminar  das  Memorias  do  Cárcere, 
Camillo  consagra  algumas  das  suas  melhores  páginas  a  esse 
homem  que  a  meio  caminho  da  vida  tinha  a  mimosa  sen- 
sibilidade dos  quinze  annos. 


XVIII 

Esta  carta  apresenta  o  médico  e  escritor  José  Augusto 
Vieira,  autor,  ao  tempo,  das  Phototipias  do  Minho,  publica- 
das em  1879. 

Vieira  defendeu  tese  em  19  de  Julho  de  1880. 

Em  1881  publicou  o  romance  A  Divorciada. 

Em  1886-87  saiu  a  sua  grande  obra,  O  Minho  Pitforescc. 
Foi  a  última.  Uma  tísica  galopante  matou-o  aos  34  anos,  em 
1890. 

XIX 

Trata  do  casamento  do  Nuno  com  a  mulher  que  raptara. 
O  rapto  —  o  processo  irregular  —  foi  minuciosamente  his- 
toriado pelo  sr.  Alberto  Pimentel,  a  pag.  385  e  seg.  do  seu 
livro  Os  Amores  de  Camillo. 


XX 


Esta  carta,  como  a   anterior,  refere  se  ao  casamento  de 
Nuno,  a  que  iriam  assistir  a  filha  de  Camillo  e  os  seus. 


115 

Trata-se  da  Ex.'^'  Senhora  D.  Bernardina  Amélia  Castello 
Branco  de  Carvalho,  felizmente  ainda  viva.  Vem  a  propósito 
dizer  que  foi  justamente  Nuno  que,  depois  da  morte  do  pai, 
escreveu  um  deplorável  opúsculo  contestando  que  aquela 
senhora  fosse  filha  de  Camillo. 

Em  outras  cartas  há  referências  a  essa  filha  sempre  reco- 
nhecida por  seu  pai  e  pelas  outras  pessoas  da  família  en- 
quanto êle  viveu. . . 

XXVíI 

Esta  carta  trata  exclusivamente  do  poeta  Donas  Boto  a 
quem  Camillo  consagrou  23  páginas  do  Cancioneiro  Alegre. 
Pede  agora  uma  colocação  para  o  pobre  velho  que  nunca 
utilizara  as  suas  cartas  de  doutor  médico  por  Lovânia  e  de 
bacharel  legista  por  Coimbra. 

O  pedido  encontrou  eco  no  coração  de  Thomaz  Ribeiro 
que,  em  15  de  Fevereiro  de  1883,  sendo  ministro  do  reino, 
nomeou  Boto  para  o  lugar  de  sub-inspector  primário  em 
Aveiro. 

Na  carta  XXXIII  agradece  Camillo  ao  seu  amigo  a  no- 
meação do  protegido  por  quem  tanto  se  interessara.  Em  ou- 
tras cartas  ainda  volta  a  ocupar-se  do  mesmo  assunto. 

A  respeito  desta  singular  personagem,  como  lhe  chama 
o  sr.  Dr.  Maximiano  Lemos,  é  de  ler  com  proveito  o  cap.  IV 
do  livro  Camilo  e  os  Médicos,  que  já  citei  e  que  é  uma  das 
boas  obras  sobre  Camillo. 


XXIX-XXX 
(V.  a  nota  anterior). 

XXXI 
Há  nesta  carta  referências  a  Magalhães  Coutinho  e  a 


116 


Biester.  Devem  ser,  o  primeiro,  o  médico  ilustre  que  foi  bi- 
bliotecário da  Ajuda,  e,  o  segundo,  o  dramaturgo  Ernesto 
Biester  que  dos  romances  de  Camillo  Vingança  e  Mysferios 
de  Lisboa  extraiu  os  dramas  Vingança  e  A  Penitência. 

Quanto  ao  assunto  da  carta,  nada  pode  dizer  o  anotador 
por  inteiramente  o  desconhecer. 


XXXII 

Trata  esta  carta  do  sr,  Manuel  de  Ascensão  Espinho  que 
é  hoje  um  distinto  funcionário  superior  de  finanças,  dirigindo 
uma  das  repartições  de  Lisboa. 

Grande  amigo  de  Camillo,  foi  um  dos  raros  que  acompa- 
nharam o  seu  cadáver  desde  Seide  ao  cemitério  da  Lapa. 

A  bala  do  suicida  não  foi  para  o  sr.  Espinho,  como  para 
tantos  outros,  o  ponto  final  da  gratidão  e  da  amizade.  S.  Ex.* 
tem  ainda  hoje  pela  memória  de  Camillo  o  mesmo  respeito 
que  teve  em  vida  pelo  seu  protector,  acrescido  apenas  da  viva 
saudade  pelo  seu  grande  amigo. 

Em  1887  publicou  um  opúsculo  sobre  matéria  da  sua  es- 
pecialidade, com  dedicatória  e  uma  carta  a  Camillo. 

Creio  que  é  raro  porque  até  hoje  só  vi  o  meu  exemplar 
que  obtive  com  dificuldade. 

Para  elucidação  dos  camilianistas,  aqui  fica  registado  o 
título :  Compilação  alphabetica  dos  regulamentos  das  con- 
tribuições de  decima  de  juros,  renda  de  casas  e  sumptuá- 
ria, approuados  por  decreto  de  8  de  setembro  de  1887  — 
por  Manoel  d'Ascenção  Espinho  (escrivão  de  fazenda  da  Po  • 
voa  de  Varzim)  —  Porto.  Imprensa  Civilisação  —  1887. 

Na  carta  XXXIV  agradece  Camillo  o  despacho  do  seu  re- 
comendado. 

XXXIII 

(V.  nota  XXVII). 


117 

XXXIV 
(V.  nota  XXXII). 

XXXV 

Aqui  fala  Camillo  do  seu  trabalho  O  Vinho  do  Porto  que 
já  não  poderá  concluir. 

Na  carta  seguinte,  escrita  três  dias  depois,  diz  que  o  livro 
já  está  no  prelo. 

Na  carta  XL  refere-se  outra  vez  ao  trabalho  então  em 
via  de  publicação,  excedendo  já  as  40  páginas  do  projecto  e 
indo  já  em  90. 

Efectivamente  o  opúsculo  publicou  se  com  87  páginas  e  a 
data  de  20  de  Abril  de  1884. 

No  título  definitivo  há  uma  diferença  em  relação  ao  que 
vem  na  carta :  processo  de  uma  bestialidade  e  não  pro- 
cesso da  bestialidade. 


XLI 


Refere  se  esta  carta  largamente  à  revista  Republicas,  en  • 
tão  em  projecto.  Saiu  o  1.°  número  em  6  de  Dezembro  de 
1884,  sob  a  direcção  de  Thomaz  Ribeiro.  A  partir  do  n.°  3, 
figura  este  como  director  político  e  Camilo  aparece  como 
director  literário.  Publicou-se  esta  revista  até  1887,  segundo 
creio. 

A  ela  se  refere  Camillo  noutras  cartas. 

O  folheto  de  que  fala  na  parte  final  da  carta  é,  talvez,  o 
Suicida,  publicado  em  1880,  em  que  Camillo  refundiu  com 
ligeiras  alterações  dois  artigos  anteriores  a  respeito  de  Elisa 
Loeve-Weimar,  senhora  que  se  suicidou  no  Porto  em  1875, 
sendo  casada  com  José  Joaquim  Gonçalves  Basto,  conhecido 


118 


por  o  Basto  do  «^Nacional»  por  ser  o  fundador  e  proprietá- 
rio deste  jornal  portuense. 

Gonçalves  Basto  esteve  emigrado  em  Londres,  o  que  me 
faz  supor  que  é  a  êle  que  Camillo  se  refere  na  cart^  embora 
desconheça  completamente  o  facto  relativo  a  Garrett. 

XLIV 

Depois  de  considerações  humorísticas  sobre  a  instrução 
do  sexo  feminino  e  suas  vantagens,  cita  Camillo  uma  Canuto. 
Deve  ser  a  poetisa  D.  Maria  José  da  Silva  Canuto,  falecida 
em  1890,  que  à  data  da  carta  em  que  Camillo  encarrega  Tho- 
maz  Ribeiro  de  indagar  da  sua  vida,  era  já  septuagenária, 
pois  nascera  em  1812. 

Mais  abaixo  fala  da  questiúncula  com  Oliveira  Martins. 

Trata  se  da  discussão  com  o  historiador  no  jornal  O  Pri- 
meiro de  Janeiro,  a  propósito  do  folhetim  de  Camillo  O  Pa- 
raguay  da  Europa,  publicado  em  17  de  Julho  de  1884.  Oli- 
veira Martins  respondeu  no  jornal  de  22  e  Camillo  repHcou 
em  24. 

Mais  tarde  os  três  folhetins  foram  reproduzidos  na  Bohe- 
mia  do  Espirito  com  o  título  Os  Jesuitas  e  a  Restauração 
de  1640. 

Houve  ainda  uma  troca  de  cartas  entre  os  dois  escritores. 
Foram  pubHcadas  recentemente  nos  n."^  74  e  80  da  revista 
/\  5  C.  E'  de  notar  que  nessa  revista  se  dá  a  carfa  de  Ca- 
millo como  respondendo  à  de  Oliveira  Martins,  o  que  é  o  con- 
trário da  verdade :  Camillo  é  que  escreveu  primeiro,  no  dia 
25  de  Julho,  dia  seguinte  ao  da  publicação  do  último  artigo. 
Oliveira  Martins  respondeu.  Assim  é  que  fica  certo. 

XLVI 

E'  de  6  de  Janeiro  de  1885  o  telegrama  que  acompanha 
esta  carta  e  no  qual  o  título  do  jornal  Republicas  apareceu 
transformado  em  Republicanos. 


119 


XLIX 


V/oIta  nesta  carta  Camillo  a  falar  das  Republicas,  fazendo 
ver  ao  seu  amigo  os  defeitos  da  revista  e  prognosticando-lhe 
'um  péssimo  futuro. 

Refere- se  a  Magalhães  Coutinho  que  para  lá  escreveu 
um  artigo.  Deve  ser  o  mesmo  que  aparece  na  carta  XXXI. 
O  Cordeiro,  esse  bom  homem  que  tem  a  immortalidade 
da  Douda  d'Albano,  é  o  poeta  António  Xavier  Rodrigues 
Cordeiro,  autor  duma  poesia  com  aquele  título,  bem  conhecida 
das  selectas.  Na  parte  final  da  carta  expõe  o  seu  plano  duma 
nova  revista  em  que  colaborariam  Caldas,  que  suponho  ser  o 
sr.  ]osé  Caldas,  escritor  ilustre,  e  D.  Maria  Amália  Vaz  de 
Carvalho,  pessoas  por  quem  Camillo  sempre  manifestou  grande 
consideração  literária. 

LII 

O  prefácio  e  o  post-scriptum  da  Maria  da  Fonte  foram 
ambos  publicados  nas  Republicas,  o  primeiro  no  n."  13  e  o 
segundo  no  n.°  18. 

LIII 

Continua  nesta  carta  a  mostrar  o  seu  descontentamento 
quanto  à  revista,  à  sua  orientação  e  aos  colaboradores.  Aquele 
Castilho,  com  rouxinoes  em  pleno  inverno,  é  Júlio  de 
Castilho  que  no  n.°  10  publicou  a  poesia  Primavera  no  in- 
verno. 

Os  contos  de  Lanhoso  do  Romeu  devem  ser  os  que 
começaram  no  n."  9,  com  o  titulo  No  Castello  de  Lanhoso. 
O  autor  é  Soares  Romeu  Júnior,  fecundo  escritor  que  pu- 
blicou vários  livros  dos  quais  os  mais  conhecidos  são  Armas 
e  Lettras  e  Nas  Margens  do  Minho.  De  passagem  fala 


120 


ainda  de  Xavier  Cordeiro,  o  mesmo  da  carta  XLIX,  e  do  ar- 
queólogo Vilhena  Barbosa. 

Fala  depois  dos  colaboradores  desejáveis,  aqueles  que  a 
revista  devia  ter  se  pudesse  pagar  e  dispensar  a  colabora-/ 
ção  gratuita,  as  empadas  requentadas  que  solicitam  a  puí 
blicidade.  '  ' 

Entre  esses,  os  raros,  lá  vem  Eça  de  Queiroz. 

Com  vista  a  cerlos  admiradores  de  Camillo,  que,  por  o  se* 
rem,  entendem  que  devem  embirrar  com  o  Eça. . . 


LVII 


Nesta  carta  pede  indicações  sobre  a  forma  de  escrever 
ao  rei,  agradecendo  o  título  de  visconde. 

Thomaz  Ribeiro  enviou-lhas  em  carta  que  vem  mencionada 
no  livro  Camillo  Homenageado,  com  o  n.°  819,  e  que  ter- 
mina com  esta  saudação :  Aue,  Camillo,  cheio  de  graça ! 

A  carta  que  Camillo  escreveu  a  D.  Luís  está  publicada  a 
pag.  191  do  citado  livro. 


LXIII 
(V.  nota  XIII). 

LXV 

Nesta  carta  volta  Camillo  a  pedir  por  Donas  Boto  que 
estava  a  terminar  o  íriénio  em  Aveiro  (V.  nota  XXVII)  e  que 
desejava  não  ser  transferido.  Desta  vez  não  foi  atendido,  cer- 
tamente por  oposição  da  lei;  por  decreto  de  12  de  Abril  de 
1886  o  bom  velho  era  transferido  para  Elvas. 


121 


LXVII 


Promete  Camillo  nesta  carta  escrever  nos  Seroens  uma 
crítica  da  tradução  do  Othello,  feita  por  D.  Luís,  mas  logo 
mudou  de  ideas  e  escreveu  o  opúsculo  Esboço  de  Critica 
-  Othello...,  datado  de  16  de  Fevereiro  de  1886,  vinte 
dias  passados  sobre  a  data  da  carta.  Na  carta  seguinte  já  se 
refere  a  esse  trabalho.  Parece,  porém,  que  durante  algum 
tempo  ainda  pensou  em  fazer  a  republicação  nos  Seroens,  re- 
solvendo por  fim  não  a  fazer,  como  se  vê  na  carta  LXIX. 

Na  carta  LXX  fala  outra  vez  do  trabalho  que  darâlSO 
páginas,  como,  de  facto,  deu,  e  finalmente  na  LXXI  anuncia 
a  remessa  de  dois  exemplares. 

Ainda  na  carta  a  que  respeita  esta  nota  vem  o  protesto 
de  Camillo  contra  o  seu  retrato  publicado  na  I Ilustração  Por- 
tugueza. 

O  retrato  vem  no  n.°  28  do  2.°  ano  dessa  revista,  corres- 
pondente a  25  de  Janeiro  de  1886.  E'  o  conhecido  retrato 
que  representa  o  escritor  vestindo  um  casaco  de  gola  de  pe- 
les. 


(V.  nota  anterior). 


LXVIII 


LXIX 


(V.  nota  LXVII). 

O  Bruschy  de  quem  Camillo  fala  nesta  carta,  é  o  Dr.  Ma- 
nuel Maria  da  Silva  Bruschy,  um  dos  mais  distintos  juriscon- 
sultos portugueses,  pai  do  sr.  Silva  Bruschy,  secretário  geral 
do  Ministério  das  Finanças  aposentado  e  director  do  Banco 
Colonial,  justamente  considerado  pela  sua  alta  capacidade  in- 
telectual e  pelas  suas  qualidades  de  perfeito  homem  de  bem. 


122 


LXX 


(V.  nota  LXVII). 

Refere-se  Camillo  outra  vez  a  seu  sobrinho  José  (V/.  nota 
XII).  Fala  também  de  Elvino,  certamente  Elvino  de  Brito, 
então  deputado  e,  mais  tarde,  par  do  reino  e  ministro,  falecido 
em  1902,  salvo  erro. 

LXXI 

(V.  nota  LXVIÍ). 

Participa  Camillo  nesta  carta  que  mandou  comprar  um  ju^ 
mento  no  campo  de  Coimbra. 

O  encarregado  da  escolha  e  compra  do  animal  foi  o  Dr. 
Adelino  das  Neves  e  Melo  que  então  residia  naquela  cidade. 
São  interessantíssimas  as  cartas  que,  sobre  o  assunto,  Camillo 
escreveu  ao  seu  amigo  e  que  este  publicou  em  1899  no  seu 
opúsculo  Senilia,  impresso  no  Pará. 

Depois  de  redigida  esta  nota  foram  essas  cartas  reprodu- 
zidas no  livro  do  Dr.  Teixeira  de  Carvalho,  Dois  Capítulos 
sobre  Camillo  Castello  Branco. 


LXXII 

•  O  médico  Soares  Ferreira,  mencionado  na  carta,  é  o  Dr. 
António  Augusto  Soares  Rodrigues  Ferreira,  falecido  em 
1908,  Foi  deputado  na  legislatura  de  1880-81,  sendo  então 
colega  de  Thomaz  Ribeiro,  como  diz  Camillo.  No  capítulo 
XXXIX  do  excelente  Camilo  e  os  Médicos,  do  Dr.  Maxi- 
miano Lemos,  encontrará  o  leitor  notícia  deste  médico. 

O  juiz  por  quem  Camillo  pede  nesta  e  noutras  cartas  é  o 
Dr.  ]osé  Maria  de  Andrade  que  veio  a  ser  juiz  da  Relação  de 
Lisboa.  Escreveu  uma  monografia  sobre  o  mosteiro  de  Celas 
(Coimbra). 


(V.  nota  anterior). 


123 


LXXIII 


LXXIV 


(V.  nota  anterior). 

Esta  carta  foi  escrita  por  D.  Anna  Plácido,  como  se  diz, 
mas  assinada  por  Camillo. 


LXXV 

(V.  nota  LXXII). 

Esta  carta  foi  toda,  incluindo  a  assinatura,  escrita  por  D. 
Anna  que  no  P.  S.  falou  em  seu  próprio  nome. 


LXXVI 

Nesta  carta  e  noutras  das  que  se  seguem  trata  Camillo, 
com  grande  interesse,  da  concessão  do  título  de  fornecedora 
da  Casa  Real  à  Chapelaria  Universal,  de  Victor  &  Coutinho. 

Essa  chapelaria  tinha,  em  1885,  lançado  no  mercado  di- 
versos modelos  de  chapéus,  sendo  alguns  consagrados  com 
os  nomes  de  homens  notáveis,  nacionais  e  estrangeiros.  O  jor- 
nal Commercio  e  Industria,  no  seu  n.°  58,  acusa  a  recepção 
da  primeira  série  dos  respectivos  figurinos  em  fototipia,  em 
número  de  dezoito. 

Um  deles  é  o  que  tem  o  nome  de  Camillo. 

Parece  que  Thomaz  Ribeiro  também  mereceu  essa  dis- 
tinção, como  se  vê  pela  carta. 

Devia  ser  sócio  da  casa  o  sr.  Henrique  Coutinho  que 
naquele  mesmo  ano  ofereceu  a  Camillo  um  chapéu  que  o  ro- 


124 

mancista  agradeceu  numa  curiosa  carta  de  26  de  Março,  re- 
colhida por  Cardoso  Marta  no  primeiro  volume  da  sua  colec- 
ção, a  pag.  164. 

LXXV/IILXXVIII-LXXXIII 
(V.  nota  anterior). 

LXXXV 

Trata  esta  carta  do  internamento  de  Jorge  no  hospital  do 
Conde  de  Ferreira,  onde  esteve  de  2  de  Agosto  a  27  de  Ou- 
tubro de  1886. 

O  Dr.  Senna,  falado  na  carta,  é  o  Dr.  António  Maria  de 
Senna  que  foi  o  primeiro  director  daquele  manicómio. 

Desse  grande  alienista  se  ocupa  largamente  o  Sr.  Dr.  Ma- 
ximiano Lemos  no  citado  Camilo  e  os  Médicos,  cap.  XXXI. 

LXXXVII 
(V.  nota  LXXVI). 

LXXXVIII 

Trata  esta  carta  da  questão  dos  livreiros,  a  demanda  le- 
vantada pelos  livreiros  Lugan  &  Genelioux  a  propósito  da  pu- 
blicação da  Bohemia  do  Espirito.  Sobre  o  caso  apareceram 
três  folhetos  curiosos.  São  A  Diffamação  dos  Livreiros,  de 
Camillo,  e  A  Defeza  dos  Livreiros  e  A  Propriedade  Litte- 
raria,  publicados  por  aquela  firma. 


125 


LXXXIX 


A  Custodia,  era  uma  cantadeira  de  Famalicão. 
A  ela  se  refere  o  Sr.  José  de  Azevedo  e  Menezes  numa 
nota  a  pag.  173  do  Camillo  Homenageado. 


XC-XCI 

A  poesia  a  que  se  referem  estas  cartas  tem  o  título  Re- 
signação e  foi  publicada  em  14  de  Janeiro  de  1887,  no  n.° 
343  do  jornal  O  Imparcial,  precedida  duma  apresentação  de 
Thomaz  Ribeiro. 

Tanto  a  poesia  como  as  palavras  que  a  precedem  saíram 
sem  assinatura. 

Foram  depois  reproduzidas  no  livro  Óbolo  ás  Creanças, 
acompanhadas  dumas  Confidencias  em  que  Joaquim  Ferreira 
Moutinho  revela  os  nomes  dos  autores. 

Henrique  Marques  trata  deste  caso  no  n."  588  da  sua 
preciosa  Bibliographia  Camilliana. 

XCIII 

A  propósito  duma  pendência  dum  dos  seus  sobrinhos,  fala 
Camillo  do  duelo  com  Ricardo  Browne. 

Desse  episódio  da  turbulenta  mocidade  de  Camillo  tratou 
com  desenvolvimento  o  sr.  Dr.  António  Cabral  no  cap.  III  do 
seu  belo  livro  Camillo  de  Perfil  e  a  pag.  106  107  do  seu 
Camillo  desconhecido,  obra  indispensável  a  quem  queira 
conhecer  a  vida  do  Mestre. 


126 


xcv 


Nesta  carta  refere  se  ao  seu  casamento  com  D.  Anna  — 
a  tolice  matrimonial  —  que  ainda  se  não  fizera  e  que  veio 
a  realizar-se  em  9  de  Março  de  1888. 


XCVI 

Esta  carta  foi  assinada  por  Camillo  e  escrita  por  outra 
pessoa. 

XCIX 

A  carta  é  escrita  por  D.  Anna.  Fala  de  Freitas  Fortuna 
que  é  o  grande  amigo  de  Camillo,  João  António  de  Freitas 
Fortuna,  proprietário  do  jazigo  onde  ainda  está  o  seu  cadá- 
ver. 

Foi  o  editor  do  raríssimo  livro  Horas  de  Lucta,  de  que 
se  tiraram  32  exemplares. 


Foi  assinada  por  Camillo  e  escrita  pela  mesma  pessoa  que 
escreveu  a  XCVI.  Há  nesta  carta  largas  referências  ao  Dr. 
Gama  Pinto,  o  ilustre  oftalmologista  que  visitou  Camillo  em 
1888,  Veja-se  o  citado  Camilo  e  os  Médicos,  pag.  601  eseg. 


Cl 


O  António  Vaz  de  Nápoles,  falado  nesta  carta,  deve  ser 
a  pessoa  que  escreveu  as  XCVI  e  C. 


127 

cm 

Foi  escrita  e  assinada  por  D.  Anna. 

CIX 

Foi  escrita  por  D.  Anna  e  assinada  por  Camillo. 

CXI 

Esta  carta  é  toda,  incluindo  a  assinatura,  do  punho  de  D. 
Anna. 

Trata  da  pensão  concedida  a  Jorge.  A  pensão  foi  estabe- 
lecida pelo  decreto  de  23  de  Maio  de  1889  que  não  a  isentava 
de  impostos,  pelo  que  Camillo  pede  a  Thomaz  Ribeiro  que 
na  Câmara  dos  Pares  faça  a  respectiva  proposta. 

Em  3  de  Junho  o  governo  apresentava  ao  Parlamento 
uma  proposta  de  lei  confirmando  aquele  decreto.  No  mesmo 
dia  a  comissão  de  fazenda  da  Câmara  dos  Deputados  dava  o 
seu  parecer  favorável  com  o  aditamento  relativo  á  isenção 
de  impostos,  talvez  a  pedido  de  Thomaz  Ribeiro. 

No  dia  4  foi  o  projecto  aprovado  por  aclamação,  por  pro- 
posta de  João  Arroio. 

Transitando  o  projecto  para  a  câmara  alta,  a  respectiva 
comissão  de  fazenda  dava  parecer  favorável  no  dia  6  e  no 
dia  seguinte  era  o  projecto  aprovado  também  por  aclamação 
como  propôs  Thomaz  Ribeiro. 

No  livro  O  Romance  do  Romancista  do  sr,  Alberto  Pi- 
mentel, vem  a  descrição  minuciosa  do  que  se  passou  nas  duas 
câmaras  a  respeito  deste  projecto. 


128 


CXII-CXIII 
Ambas  são  escritas  e  assinadas  por  D.  Anna. 

CK\J 
Esta  carta  fói  escrita  em  Carnaxide. 

CXVII 

O  livro  de  Guilhermino  de  Barros  a  que  nesta  carta  se 
refere  Camillo,  foi  publicado  em  1894.  Na  Bohemia  do  Es- 
pirito, pag.  203  e  seg.,  vem  o  perfil  literário  deste  escritor  e 
amigo  de  Camillo.  Na  revista  A  A'guia  foram  publicadas  al- 
gumas cartas  que  Camillo  lhe  escreveu. 

CXVIII 
Escrita  e  assinada  por  D.  Anna. 

CXIX 

A  letra  é  de  D.  Anna,  menos  na  assinatura  que  é  de  Ca- 
millo. 

Pede  a  Thomaz  Ribeiro  que  procure  editor  para  o  Exter- 
minio  da  Inglaterra.  De  tal  poema  vieram  a  lume,  segundo 
creio,  apenas  dois  fragmentos.  Um  deles  —  18  quadras  —  foi 
publicado  no  Anathema,  número  único  que  saiu  em  1890, 
em  Coimbra,  de  protesto  contra  o  ultimalum. 

O  segundo  —  38  quadras  —  apareceu  no  jornal  A  Repu- 
blica, do  Porto,  em  22  de  Abril  do  mesmo  ano. 


129 


Êsíe  foi  reproduzido  no  n.°  2  da  publicação  O  BibliQphíh 
(Porto,  1909)  e  os  dois  foram  recolhidos  por  João  Paulo 
Freire  (Mário)  na  2.^  edição  do  seu  Entre  Gigantes!  (1917). 

Parece  que  Camillo  chegou  a  completar  o  poema  porque 
no  museu  de  Seide  existe  um  manuscrito  encadernado,  com 
versos  e  aquele  título,  segundo  informa  o  Camillo  Homena- 
geado. Refere- se  a  carta  ao  Mensageiro.  Dessa  publicação 
de  Thomaz  Ribeiro  saíram,  creio,  apenas  três  números. 

O  primeiro  —  Carta  d' Alforria  —  publicou-se  em  1889, 
em  homenagem  a  D.  Pedro,  Imperador  do  Brasil,  que  aca- 
bava de  ser  destronado. 

O  segundo  —  A  Patrícia  —  é  de  1890,  a  propósito  do 
ultimaíum. 

O  terceiro  —  Senhor,  Não !  —  saiu  em  1897,  a  respeito 
do  então  próximo  centenário  da  índia. 

No  n.°  1  vem  uma  carta  de  Camillo. 

Desse  mesmo  número,  mas  só  da  parte  escrita  por  Tho- 
maz Ribeiro,  fez  se  em  1895  uma  edição  no  Rio  de  Janeiro. 

Fala  ainda  a  carta  do  Dr.  Rebelo  da  Silva  que  foi  um  dos 
médicos  que  Camillo  consultou.  Do  conhecido  homeopata  se 
ocupa  o  sr.  Dr.  Maximiano  Lemos,  a  pag.  632  e  seg.  do  Ca- 
milo e  os  Médicos. 

CXK 

Esta  carta  é  escrita  e  assinada  por  letra  que  não  é  de  D. 
Anna  nem  da  pessoa  que  escreveu  as  cartas  XCVI  e  C. 

Deve  ser  esta  a  última  carta  porque  é  datada  de  16  de 
Maio  de  1890,  isto  é,  a  duas  semanas  da  morte  de  Camillo. 


ACABOU  DE  SE  lilFFJMIR  ESTE  LIVBO  «A  IMFBEIfSA 

DE  MANOEL  LDCAS  TOBEES,  EM  LISBOA, 

NA  RUA  DO  DIÁRIO  DE  NOTICIAS, 

57  A  6],  AOS  12  DE  SETEMBRO 

DE    1922 


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CAMILO  CASTELO  BRANCO 
Cartas  escritas  a  Tomaj 
Ribeiro,  com  Hm  pre- 
facio de  D.  Branca  de 
Gonta  Colaço,  1  vol.  br.    7$50 

Cartas  amorosas  duma 
freira,  com  uma  carta 
prefacio  do  dr.  António 
Baião,  1  vol.  br 2*50 

CARVALHO  (D.  MARIA  A. 
VAZ  DE) 
Cartas  a  Lui^a  (moral, 
educação  e  costumes).     2$50 
CARVALHO  (D.  MARIA  DE) 

Folhas,  poesias,  1  vol  br.    3$00 
CLARINHA  (D.  CARLOTA 
SERPA    PINTO   SAN- 
TOS MOREIRA 
Cinco  horas,  1   vol.  br. 

4$00,  ene 7$50 

COLAÇO  (D   BRANCA  DE 
GONTA) 
Auto  dos  faroleiros  (Peça 

de  theatro)  1  vol.  br..     õ^OO 
Hora  da  sesta,  versos, 

IvoLbr 3$00 

A'  margem  das  crónicas 
1  vol.  br 1$00 


COLAÇO  (THOMAZ  RIBEI- 
RO) 
Agua  da  fonte,  versos,  1 

vol.  br 2$50 

Primeiros  versos,  1  vol. 

br í?$00 

CONDE  DE  SABUGOSA 
Outra  Rainha    D.  Amé- 
lia) um  opúsculo,  com 

0  retrato 2$50 

Rainha  (A)  D.  Leonor, 

i458-i52  8,  1  vol.  de 
384  pag,  com  15  estam- 
pas   20$00 

COSTA  (DR.  SOUSA) 
Ressurreição  dos  mortos, 
romance,  1  vol.  ene. . .     2$50 

DELGADO  (D.  BEATRIZ) 
Amorosa,  versos,  Ivol.  br.    3$00 

FERRO  (ANTÓNIO) 

Gabriel    d'Annun^io    e 

Eu,\  vol  br Sion 

Leviana,  novela,  1  vol-  br.    2$00 
Theoria  da  indiferença, 

Ivol.  br 1$50 

LOBATO  (GERVÁSIO) 
Primeira  confessada  (es- 
gotada) 1  vol.  ene 7$50 

LUZIA 

Rindo  e  chorando,  1  vol. 

br.  3$50,  ene 7$00 

OLIVEIRA  (A.  CORRÊA) 
Pão  nosso  —  Alegre  vi- 
nho —  Aceite  da  can- 
deia, versos,  com  dese- 
nhos de  António  Carnei- 
ro. 1  vol.  br.  5$00,  ene.    7$50 
PIMENTA  (DR.  ALFREDO) 
Livro  das  chy meras,  ver- 
sos, 1  vol.  br 3$50 

PINTO  (DR.  MANOEL  DE 
SOUSA) 
Mãos   (As)  da  vida,    1 

vol.  br 2$50 

Para  onde  vaes  Maria, 

1  vol.  br. 3150,  ene...     6$00 


PQ 
9261 
C3Z5/^8 
cop.2 


Castello  Branco,   Camillo 

Cartas  de  Camillo  Castello 
Branco  a  Thomaz  Ribeiro 


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004 

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